{"title":"介绍档案-人权教育:抵抗与变革","authors":"Solon Eduardo Annes Viola","doi":"10.5016/ridh.v9i2.95","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"O presente dossiê da Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, do Observatório de Direitos Humanos / Universidade Estadual de São Paulo é fruto de um tema que percorre a educação brasileira como um vírus sem antídoto, para o qual com frequência mais intensa nesta segunda década do presente século, diferentes correntes de pensamento buscam ora tratamentos aleatórios, ora exorcismos medievais. Trata-se de uma ousadia que acalanta os educadores brasileiros desde meados dos anos 1980. Um tempo repleto de medos, sonhos e, às vezes, de breves fantasias. A sociedade brasileira libertava-se tímida e corajosamente de uma noite sombria plena de violências e falsidades – estas últimas, nos tempos de agora, rebatizadas com tons estadunidenses – produzidas desde o Estado que, a partir de um golpe militar, arrebatara o poder de um governo que propunha reformas de base visando à justiça social. \nA timidez decorria do controle, quase absoluto, que o Estado impunha à sociedade civil retirando dela os espaços de liberdade, a busca da igualdade e a negação das ações de solidariedade. Os sonhos se faziam nas esquinas, nos recantos, nas ante-salas. Os sussurros ao pé do ouvido. Sonhava-se, corajosamente, com liberdade para os meios de comunicação e com o fim da tortura e do terror do Estado. Os sonhos avançaram até uma Anistia ampla e irrestrita: a reorganização dos movimentos sociais e seus modelos, eleições diretas e o Educar em Direitos Humanos para produzir uma cultura, na qual cada educador e cada educando se reconhecessem como sujeitos de direitos. A ilusão era de que desse modo a sociedade brasileira não voltasse a vivenciar outros tempos sombrios, e que a democracia viesse a se constituir como lócus de consolidação e ampliação de direitos individuais e coletivos. \n Ao longo da década de 1990, durante o lento processo da redemocratização, o tema da Educação em Direitos Humanos passou a fazer parte das questões que projetavam o futuro da democracia nascente. Tornava-se urgente pensar o Nunca Mais, repensar as experiências de uma pedagogia para além da repetição e deixar no passado a pedagogia do esquecimento. Tornava-se indispensável pensar uma cidadania participativa, superar os limites do medo e buscar novas formas de organização social. A sociedade reorganizava-se com novos, e múltiplos movimentos sociais, dentre eles, a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, originada desde os poucos espaços que haviam conseguido sobreviver mesmo com um número reduzido de participantes. \n A Rede compôs uma corrente de pensamento que revisava o conceito de Direitos Humanos instituído no Brasil no início da década de 1960 a partir dos conflitos políticos de então. No bojo dos embates ideológicos, produzidos ao longo da redação da Declaração Universal de 1948, e amplificado pelo período da Guerra Fria, os debates sobre os Direitos Humanos com sua pluralidade chegaram ao Brasil sob a égide de um ideário ocidental. Isto é, uma versão vinculada à liberdade como pressuposto do mercado, à igualdade como dimensão jurídica e à fraternidade vista como sinônimo de caridade. Tal compreensão resultava em um modo de viver, que anunciando os princípios dos direitos humanos, alertava para os perigos inerentes aos projetos de emancipação e autonomia tanto de nações como de movimentos que ousassem pensar outros modelos sociais possíveis. \nNessa conjuntura, o discurso hegemônico dos direitos humanos compôs a rede de argumentos que justificava tanto a Guerra do Vietnã, como os golpes de Estado na América Latina e no Caribe. Tal discurso serviu para acobertar o uso de Napalm nos territórios das aldeias e das florestas do Vietnã, para esconder ou minimizar as práticas de tortura, ação comum das políticas repressivas dos Estados militares da América Latina. Foram os crimes contra a humanidade cometidos no sudeste asiático, nas Guerras de libertação do continente africano e nos porões das casas da morte da América Latina que colocaram os pressupostos dos direitos humanos em desequilíbrio. \nQuestionados sobre a violência desmedida do Estado autoritário, os governantes passaram da falsa defesa dos direitos humanos para um discurso, esclerosado, de que os que defendiam os direitos humanos eram, enfim, defensores de terroristas, subversivos e comunistas. Discursos que, atualizados, passaram a ter outras cores como a “defesa de bandidos” e, mais recentemente, de “estrume da bandidagem”. \nNa América Latina, a balança oscilou entre os carcomidos ataques de setores dos meios de comunicação e políticos conservadores e as gradativas manifestações públicas em defesa da vida, cujo maior exemplo se universalizou nas silenciosas caminhadas das mães argentinas com sua fraternal mensagem “vivos os levaram, vivos os queremos”. \nNas terras de Pindorama as mensagens revelaram-se plurais. Anunciavam aspirações por direitos civis e políticos – lutas pela anistia, pelo fim da censura, pela constituinte livre e soberana e por eleições diretas – e por direitos sociais e econômicos: o combate à carestia e os movimento pela moradia, pelo acesso a terra, pela igualdade de direitos raciais e equidade de gênero; enquanto incorporavam bandeiras ambientalistas. No entanto, diferentemente do caráter das manifestações das mães argentinas, esses movimentos de redemocratização não se integravam ao discurso dos direitos humanos \n A compreensão de que, mais do que derrotar o Estado autoritário, seria necessário compreender tanto a herança da formação colonial – a subordinação às diferentes metrópoles, a que permanentemente se submeteram as elites locais – quanto à estrutura de um Estado apto a garantir privilégios e recusar direitos, levou a Rede a propor um caminho que compreendia repensar o processo educativo. Depois do período ditatorial, não seria mais possível continuar convivendo com uma educação herdada das antigas pedagogias, predispostas a transmitir saberes esclerosados e disciplinamentos bancários e colonizados. Tornava-se urgente refazer os objetivos: - questionar a educação para a reprodução do conhecimento e propor uma nova pedagogia feita de diálogo, de trocas entre os saberes sistematizados dos educadores e os saberes vividos cotidianamente pelos educandos, tornou-se um projeto, um caminho para a produção de novos conhecimentos; - superar a postura disciplinadora herdada das pedagogias medievais e clássicas por um ato pedagógico apto a compreender que aprender exige estudo rigoroso e intenso; e - considerar que a educação vai além de preparar as novas gerações para viver em sociedade e se adaptar à sociedade de mercado, ou seja, que ela se constitui em defesa da vida, da autonomia e da emancipação de cada indivíduo e de cada sociedade. \nA partir de então, e especialmente a partir dos primeiros anos do século XXI, quando das propostas da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos e de outras entidades da sociedade civil, a Educação em Direitos Humanos passou a fazer parte da reorganização dos encontros e dos debates que repensavam o sistema educacional e a própria democracia e seus limites. Limites próprios de uma sociedade de formação colonial, com suas práticas escravagistas, formada por uma elite ciosa de seus privilégios. \n Gradativamente as propostas, vindas dos movimentos sociais, das universidades e das entidades acadêmicas ligadas às ciências humanas, ganharam corpo e se transformaram em políticas de Estado, tais como o segundo Programa Nacional de Direitos Humanos, a partir do qual se avançou em direção à elaboração de um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Esse trouxe em seu bojo a herança das práticas dos movimentos de educação de base e a teoria educacional dela decorrente e incorporou as propostas internacionais para a Educação em Direitos Humanos da UNESCO. Foi discutido com a sociedade civil e transformado em política pública pelos governos que conduziram as políticas de Estado até o final da segunda década deste tortuoso início de século. \n A partir de então, anunciados com caminhos do futuro, retornaram antigas questões que pareciam ter ficado como brumas perdidas em um tempo distante: Terras planas, maniqueísmos, deuses a vigiar sempre acima dos humanos e de suas vidas, privilégios de algumas áreas do conhecimento escolar – normalmente as áreas mais indispensáveis ao mercado de trabalho – eliminação de áreas do conhecimento, ilusoriamente consideradas como área de formação de consciência social. Ressurgiram demônios adormecidos: o comunismo ateu e a pedagogia subversiva de Paulo Freire, aos quais se incorporaram novos seres imaginários, como a ideologia de gênero e sua força para exterminar a estrutura familiar. \nA partir deste novo momento, a sociedade civil passou a rever os caminhos a percorrer. É destes caminhos que trata este dossiê da Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, denominado Educação em direitos humanos: resistência e transformação. Nele os leitores encontrarão sete textos de abordagens plurais que recuperam a trajetória recente do tema e avançam em interpretações teóricas. Estamos certos de que o Dossiê poderá contribuir não só com os diálogos sobre Educação em Direitos Humanos, mas com o próprio processo histórico de preservar a democracia e avançar nos caminhos de produzir uma sociedade mais justa e igual. \n No primeiro artigo “A educação em direitos humanos como política pública no Brasil”, o professor Erasto Fortes apresenta a trajetória da Educação em Direitos Humanos como política pública. Para tanto, o texto propõe uma aproximação conceitual sobre como surgem às políticas públicas e como estas podem produzir à efetivação dos direitos e o fortalecimento da democracia. A história política do Brasil apresenta períodos de autoritarismo com brechas de momentos democráticos. A leitura do texto nos conduz para a compreensão de como as temáticas de Educação em Direitos Humanos tornam-se políticas públicas e como as mesmas têm se comportado como espaço de disputa no Brasil. \nO prof","PeriodicalId":228504,"journal":{"name":"Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos","volume":"37 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2021-12-12","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":"{\"title\":\"Apresentação do Dossiê – Educação em Direitos Humanos: resistência e transformação\",\"authors\":\"Solon Eduardo Annes Viola\",\"doi\":\"10.5016/ridh.v9i2.95\",\"DOIUrl\":null,\"url\":null,\"abstract\":\"O presente dossiê da Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, do Observatório de Direitos Humanos / Universidade Estadual de São Paulo é fruto de um tema que percorre a educação brasileira como um vírus sem antídoto, para o qual com frequência mais intensa nesta segunda década do presente século, diferentes correntes de pensamento buscam ora tratamentos aleatórios, ora exorcismos medievais. Trata-se de uma ousadia que acalanta os educadores brasileiros desde meados dos anos 1980. Um tempo repleto de medos, sonhos e, às vezes, de breves fantasias. A sociedade brasileira libertava-se tímida e corajosamente de uma noite sombria plena de violências e falsidades – estas últimas, nos tempos de agora, rebatizadas com tons estadunidenses – produzidas desde o Estado que, a partir de um golpe militar, arrebatara o poder de um governo que propunha reformas de base visando à justiça social. \\nA timidez decorria do controle, quase absoluto, que o Estado impunha à sociedade civil retirando dela os espaços de liberdade, a busca da igualdade e a negação das ações de solidariedade. Os sonhos se faziam nas esquinas, nos recantos, nas ante-salas. Os sussurros ao pé do ouvido. Sonhava-se, corajosamente, com liberdade para os meios de comunicação e com o fim da tortura e do terror do Estado. Os sonhos avançaram até uma Anistia ampla e irrestrita: a reorganização dos movimentos sociais e seus modelos, eleições diretas e o Educar em Direitos Humanos para produzir uma cultura, na qual cada educador e cada educando se reconhecessem como sujeitos de direitos. A ilusão era de que desse modo a sociedade brasileira não voltasse a vivenciar outros tempos sombrios, e que a democracia viesse a se constituir como lócus de consolidação e ampliação de direitos individuais e coletivos. \\n Ao longo da década de 1990, durante o lento processo da redemocratização, o tema da Educação em Direitos Humanos passou a fazer parte das questões que projetavam o futuro da democracia nascente. Tornava-se urgente pensar o Nunca Mais, repensar as experiências de uma pedagogia para além da repetição e deixar no passado a pedagogia do esquecimento. Tornava-se indispensável pensar uma cidadania participativa, superar os limites do medo e buscar novas formas de organização social. A sociedade reorganizava-se com novos, e múltiplos movimentos sociais, dentre eles, a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, originada desde os poucos espaços que haviam conseguido sobreviver mesmo com um número reduzido de participantes. \\n A Rede compôs uma corrente de pensamento que revisava o conceito de Direitos Humanos instituído no Brasil no início da década de 1960 a partir dos conflitos políticos de então. No bojo dos embates ideológicos, produzidos ao longo da redação da Declaração Universal de 1948, e amplificado pelo período da Guerra Fria, os debates sobre os Direitos Humanos com sua pluralidade chegaram ao Brasil sob a égide de um ideário ocidental. Isto é, uma versão vinculada à liberdade como pressuposto do mercado, à igualdade como dimensão jurídica e à fraternidade vista como sinônimo de caridade. Tal compreensão resultava em um modo de viver, que anunciando os princípios dos direitos humanos, alertava para os perigos inerentes aos projetos de emancipação e autonomia tanto de nações como de movimentos que ousassem pensar outros modelos sociais possíveis. \\nNessa conjuntura, o discurso hegemônico dos direitos humanos compôs a rede de argumentos que justificava tanto a Guerra do Vietnã, como os golpes de Estado na América Latina e no Caribe. Tal discurso serviu para acobertar o uso de Napalm nos territórios das aldeias e das florestas do Vietnã, para esconder ou minimizar as práticas de tortura, ação comum das políticas repressivas dos Estados militares da América Latina. Foram os crimes contra a humanidade cometidos no sudeste asiático, nas Guerras de libertação do continente africano e nos porões das casas da morte da América Latina que colocaram os pressupostos dos direitos humanos em desequilíbrio. \\nQuestionados sobre a violência desmedida do Estado autoritário, os governantes passaram da falsa defesa dos direitos humanos para um discurso, esclerosado, de que os que defendiam os direitos humanos eram, enfim, defensores de terroristas, subversivos e comunistas. Discursos que, atualizados, passaram a ter outras cores como a “defesa de bandidos” e, mais recentemente, de “estrume da bandidagem”. \\nNa América Latina, a balança oscilou entre os carcomidos ataques de setores dos meios de comunicação e políticos conservadores e as gradativas manifestações públicas em defesa da vida, cujo maior exemplo se universalizou nas silenciosas caminhadas das mães argentinas com sua fraternal mensagem “vivos os levaram, vivos os queremos”. \\nNas terras de Pindorama as mensagens revelaram-se plurais. Anunciavam aspirações por direitos civis e políticos – lutas pela anistia, pelo fim da censura, pela constituinte livre e soberana e por eleições diretas – e por direitos sociais e econômicos: o combate à carestia e os movimento pela moradia, pelo acesso a terra, pela igualdade de direitos raciais e equidade de gênero; enquanto incorporavam bandeiras ambientalistas. No entanto, diferentemente do caráter das manifestações das mães argentinas, esses movimentos de redemocratização não se integravam ao discurso dos direitos humanos \\n A compreensão de que, mais do que derrotar o Estado autoritário, seria necessário compreender tanto a herança da formação colonial – a subordinação às diferentes metrópoles, a que permanentemente se submeteram as elites locais – quanto à estrutura de um Estado apto a garantir privilégios e recusar direitos, levou a Rede a propor um caminho que compreendia repensar o processo educativo. Depois do período ditatorial, não seria mais possível continuar convivendo com uma educação herdada das antigas pedagogias, predispostas a transmitir saberes esclerosados e disciplinamentos bancários e colonizados. Tornava-se urgente refazer os objetivos: - questionar a educação para a reprodução do conhecimento e propor uma nova pedagogia feita de diálogo, de trocas entre os saberes sistematizados dos educadores e os saberes vividos cotidianamente pelos educandos, tornou-se um projeto, um caminho para a produção de novos conhecimentos; - superar a postura disciplinadora herdada das pedagogias medievais e clássicas por um ato pedagógico apto a compreender que aprender exige estudo rigoroso e intenso; e - considerar que a educação vai além de preparar as novas gerações para viver em sociedade e se adaptar à sociedade de mercado, ou seja, que ela se constitui em defesa da vida, da autonomia e da emancipação de cada indivíduo e de cada sociedade. \\nA partir de então, e especialmente a partir dos primeiros anos do século XXI, quando das propostas da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos e de outras entidades da sociedade civil, a Educação em Direitos Humanos passou a fazer parte da reorganização dos encontros e dos debates que repensavam o sistema educacional e a própria democracia e seus limites. Limites próprios de uma sociedade de formação colonial, com suas práticas escravagistas, formada por uma elite ciosa de seus privilégios. \\n Gradativamente as propostas, vindas dos movimentos sociais, das universidades e das entidades acadêmicas ligadas às ciências humanas, ganharam corpo e se transformaram em políticas de Estado, tais como o segundo Programa Nacional de Direitos Humanos, a partir do qual se avançou em direção à elaboração de um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Esse trouxe em seu bojo a herança das práticas dos movimentos de educação de base e a teoria educacional dela decorrente e incorporou as propostas internacionais para a Educação em Direitos Humanos da UNESCO. Foi discutido com a sociedade civil e transformado em política pública pelos governos que conduziram as políticas de Estado até o final da segunda década deste tortuoso início de século. \\n A partir de então, anunciados com caminhos do futuro, retornaram antigas questões que pareciam ter ficado como brumas perdidas em um tempo distante: Terras planas, maniqueísmos, deuses a vigiar sempre acima dos humanos e de suas vidas, privilégios de algumas áreas do conhecimento escolar – normalmente as áreas mais indispensáveis ao mercado de trabalho – eliminação de áreas do conhecimento, ilusoriamente consideradas como área de formação de consciência social. Ressurgiram demônios adormecidos: o comunismo ateu e a pedagogia subversiva de Paulo Freire, aos quais se incorporaram novos seres imaginários, como a ideologia de gênero e sua força para exterminar a estrutura familiar. \\nA partir deste novo momento, a sociedade civil passou a rever os caminhos a percorrer. É destes caminhos que trata este dossiê da Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, denominado Educação em direitos humanos: resistência e transformação. Nele os leitores encontrarão sete textos de abordagens plurais que recuperam a trajetória recente do tema e avançam em interpretações teóricas. Estamos certos de que o Dossiê poderá contribuir não só com os diálogos sobre Educação em Direitos Humanos, mas com o próprio processo histórico de preservar a democracia e avançar nos caminhos de produzir uma sociedade mais justa e igual. \\n No primeiro artigo “A educação em direitos humanos como política pública no Brasil”, o professor Erasto Fortes apresenta a trajetória da Educação em Direitos Humanos como política pública. Para tanto, o texto propõe uma aproximação conceitual sobre como surgem às políticas públicas e como estas podem produzir à efetivação dos direitos e o fortalecimento da democracia. 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Apresentação do Dossiê – Educação em Direitos Humanos: resistência e transformação
O presente dossiê da Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, do Observatório de Direitos Humanos / Universidade Estadual de São Paulo é fruto de um tema que percorre a educação brasileira como um vírus sem antídoto, para o qual com frequência mais intensa nesta segunda década do presente século, diferentes correntes de pensamento buscam ora tratamentos aleatórios, ora exorcismos medievais. Trata-se de uma ousadia que acalanta os educadores brasileiros desde meados dos anos 1980. Um tempo repleto de medos, sonhos e, às vezes, de breves fantasias. A sociedade brasileira libertava-se tímida e corajosamente de uma noite sombria plena de violências e falsidades – estas últimas, nos tempos de agora, rebatizadas com tons estadunidenses – produzidas desde o Estado que, a partir de um golpe militar, arrebatara o poder de um governo que propunha reformas de base visando à justiça social.
A timidez decorria do controle, quase absoluto, que o Estado impunha à sociedade civil retirando dela os espaços de liberdade, a busca da igualdade e a negação das ações de solidariedade. Os sonhos se faziam nas esquinas, nos recantos, nas ante-salas. Os sussurros ao pé do ouvido. Sonhava-se, corajosamente, com liberdade para os meios de comunicação e com o fim da tortura e do terror do Estado. Os sonhos avançaram até uma Anistia ampla e irrestrita: a reorganização dos movimentos sociais e seus modelos, eleições diretas e o Educar em Direitos Humanos para produzir uma cultura, na qual cada educador e cada educando se reconhecessem como sujeitos de direitos. A ilusão era de que desse modo a sociedade brasileira não voltasse a vivenciar outros tempos sombrios, e que a democracia viesse a se constituir como lócus de consolidação e ampliação de direitos individuais e coletivos.
Ao longo da década de 1990, durante o lento processo da redemocratização, o tema da Educação em Direitos Humanos passou a fazer parte das questões que projetavam o futuro da democracia nascente. Tornava-se urgente pensar o Nunca Mais, repensar as experiências de uma pedagogia para além da repetição e deixar no passado a pedagogia do esquecimento. Tornava-se indispensável pensar uma cidadania participativa, superar os limites do medo e buscar novas formas de organização social. A sociedade reorganizava-se com novos, e múltiplos movimentos sociais, dentre eles, a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, originada desde os poucos espaços que haviam conseguido sobreviver mesmo com um número reduzido de participantes.
A Rede compôs uma corrente de pensamento que revisava o conceito de Direitos Humanos instituído no Brasil no início da década de 1960 a partir dos conflitos políticos de então. No bojo dos embates ideológicos, produzidos ao longo da redação da Declaração Universal de 1948, e amplificado pelo período da Guerra Fria, os debates sobre os Direitos Humanos com sua pluralidade chegaram ao Brasil sob a égide de um ideário ocidental. Isto é, uma versão vinculada à liberdade como pressuposto do mercado, à igualdade como dimensão jurídica e à fraternidade vista como sinônimo de caridade. Tal compreensão resultava em um modo de viver, que anunciando os princípios dos direitos humanos, alertava para os perigos inerentes aos projetos de emancipação e autonomia tanto de nações como de movimentos que ousassem pensar outros modelos sociais possíveis.
Nessa conjuntura, o discurso hegemônico dos direitos humanos compôs a rede de argumentos que justificava tanto a Guerra do Vietnã, como os golpes de Estado na América Latina e no Caribe. Tal discurso serviu para acobertar o uso de Napalm nos territórios das aldeias e das florestas do Vietnã, para esconder ou minimizar as práticas de tortura, ação comum das políticas repressivas dos Estados militares da América Latina. Foram os crimes contra a humanidade cometidos no sudeste asiático, nas Guerras de libertação do continente africano e nos porões das casas da morte da América Latina que colocaram os pressupostos dos direitos humanos em desequilíbrio.
Questionados sobre a violência desmedida do Estado autoritário, os governantes passaram da falsa defesa dos direitos humanos para um discurso, esclerosado, de que os que defendiam os direitos humanos eram, enfim, defensores de terroristas, subversivos e comunistas. Discursos que, atualizados, passaram a ter outras cores como a “defesa de bandidos” e, mais recentemente, de “estrume da bandidagem”.
Na América Latina, a balança oscilou entre os carcomidos ataques de setores dos meios de comunicação e políticos conservadores e as gradativas manifestações públicas em defesa da vida, cujo maior exemplo se universalizou nas silenciosas caminhadas das mães argentinas com sua fraternal mensagem “vivos os levaram, vivos os queremos”.
Nas terras de Pindorama as mensagens revelaram-se plurais. Anunciavam aspirações por direitos civis e políticos – lutas pela anistia, pelo fim da censura, pela constituinte livre e soberana e por eleições diretas – e por direitos sociais e econômicos: o combate à carestia e os movimento pela moradia, pelo acesso a terra, pela igualdade de direitos raciais e equidade de gênero; enquanto incorporavam bandeiras ambientalistas. No entanto, diferentemente do caráter das manifestações das mães argentinas, esses movimentos de redemocratização não se integravam ao discurso dos direitos humanos
A compreensão de que, mais do que derrotar o Estado autoritário, seria necessário compreender tanto a herança da formação colonial – a subordinação às diferentes metrópoles, a que permanentemente se submeteram as elites locais – quanto à estrutura de um Estado apto a garantir privilégios e recusar direitos, levou a Rede a propor um caminho que compreendia repensar o processo educativo. Depois do período ditatorial, não seria mais possível continuar convivendo com uma educação herdada das antigas pedagogias, predispostas a transmitir saberes esclerosados e disciplinamentos bancários e colonizados. Tornava-se urgente refazer os objetivos: - questionar a educação para a reprodução do conhecimento e propor uma nova pedagogia feita de diálogo, de trocas entre os saberes sistematizados dos educadores e os saberes vividos cotidianamente pelos educandos, tornou-se um projeto, um caminho para a produção de novos conhecimentos; - superar a postura disciplinadora herdada das pedagogias medievais e clássicas por um ato pedagógico apto a compreender que aprender exige estudo rigoroso e intenso; e - considerar que a educação vai além de preparar as novas gerações para viver em sociedade e se adaptar à sociedade de mercado, ou seja, que ela se constitui em defesa da vida, da autonomia e da emancipação de cada indivíduo e de cada sociedade.
A partir de então, e especialmente a partir dos primeiros anos do século XXI, quando das propostas da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos e de outras entidades da sociedade civil, a Educação em Direitos Humanos passou a fazer parte da reorganização dos encontros e dos debates que repensavam o sistema educacional e a própria democracia e seus limites. Limites próprios de uma sociedade de formação colonial, com suas práticas escravagistas, formada por uma elite ciosa de seus privilégios.
Gradativamente as propostas, vindas dos movimentos sociais, das universidades e das entidades acadêmicas ligadas às ciências humanas, ganharam corpo e se transformaram em políticas de Estado, tais como o segundo Programa Nacional de Direitos Humanos, a partir do qual se avançou em direção à elaboração de um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Esse trouxe em seu bojo a herança das práticas dos movimentos de educação de base e a teoria educacional dela decorrente e incorporou as propostas internacionais para a Educação em Direitos Humanos da UNESCO. Foi discutido com a sociedade civil e transformado em política pública pelos governos que conduziram as políticas de Estado até o final da segunda década deste tortuoso início de século.
A partir de então, anunciados com caminhos do futuro, retornaram antigas questões que pareciam ter ficado como brumas perdidas em um tempo distante: Terras planas, maniqueísmos, deuses a vigiar sempre acima dos humanos e de suas vidas, privilégios de algumas áreas do conhecimento escolar – normalmente as áreas mais indispensáveis ao mercado de trabalho – eliminação de áreas do conhecimento, ilusoriamente consideradas como área de formação de consciência social. Ressurgiram demônios adormecidos: o comunismo ateu e a pedagogia subversiva de Paulo Freire, aos quais se incorporaram novos seres imaginários, como a ideologia de gênero e sua força para exterminar a estrutura familiar.
A partir deste novo momento, a sociedade civil passou a rever os caminhos a percorrer. É destes caminhos que trata este dossiê da Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, denominado Educação em direitos humanos: resistência e transformação. Nele os leitores encontrarão sete textos de abordagens plurais que recuperam a trajetória recente do tema e avançam em interpretações teóricas. Estamos certos de que o Dossiê poderá contribuir não só com os diálogos sobre Educação em Direitos Humanos, mas com o próprio processo histórico de preservar a democracia e avançar nos caminhos de produzir uma sociedade mais justa e igual.
No primeiro artigo “A educação em direitos humanos como política pública no Brasil”, o professor Erasto Fortes apresenta a trajetória da Educação em Direitos Humanos como política pública. Para tanto, o texto propõe uma aproximação conceitual sobre como surgem às políticas públicas e como estas podem produzir à efetivação dos direitos e o fortalecimento da democracia. A história política do Brasil apresenta períodos de autoritarismo com brechas de momentos democráticos. A leitura do texto nos conduz para a compreensão de como as temáticas de Educação em Direitos Humanos tornam-se políticas públicas e como as mesmas têm se comportado como espaço de disputa no Brasil.
O prof