{"title":"Na encruzilhada entre multimodalidade e multilinguismo: em busca de um modelo de descrição para legendagem com base no filme Jenseits Der Stille","authors":"Katrin Pieper","doi":"10.21747/21844585/tm1_2a6","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Em tempos de um número crescente de textos multimodais, seja em websites, redes sociais ou meios audiovisuais, o tema da multimodalidade é mais relevante do que nunca. O filme Jenseits der Stille (lançado em português do Brasil sob o título A música e o silêncio), tendo em conta que os protagonistas usam tanto a linguagem gestual quanto verbal, apresenta uma situação de multilinguismo que se torna ainda mais complexa na versão legendada para o público estrangeiro. Este artigo propõe um modelo descritivo que leva em conta o multilinguismo, a multimodalidade e a legendagem e que pode eventualmente ser estendido a outros tipos de textos multimodais. PALAVRAS-CHAVE: Tradução Audiovisual, Legendagem, Multimodalidade, Multilinguismo, Modelos de Descrição Multimodal 1. Introdução Um dos primeiros teóricos que se ocupou de fenómenos de multimodalidade na tradução foi Roman Jakobson (1959), utilizando conceitos dos estudos semióticos. Assim definiu tradução intersemiótica em oposição à tradução intralinguística ou interlinguística: “Intersemiotic translation or transmutation is an interpretation of verbal signs by means of signs of nonverbal sign systems” (Jakobson, 1959, p. 233). No meio fílmico, coexistem signos verbais e não verbais, e a informação é transmitida pelo canal auditivo e pelo canal visual. O texto verbal é interpretado ou acompanhado por imagens e vice-versa. Portanto, na tradução audiovisual e, mais explicitamente, na legendagem, vários sistemas de signos têm impacto na tradução. Hoje em dia, os textos audiovisuais são consumidos em múltiplos contextos, muitas vezes legendados, tais como em canais televisivos internacionais, nas salas de espera de consultórios médicos, nos meios sociais, na publicidade onipresente na internet etc. Os estudos de multimodalidade ocupam-se da análise e descrição deste tipo de texto. Existem esquemas de transcrição para textos multimodais: uns descrevem o texto multimodal em si, outros incluem a tradução classificando-a como intrae interlinguística ou intersemiótica. Estes modelos deram passos importantes para uma descrição multimodal de textos fílmicos legendados, mas não oferecem um modelo abrangente o suficiente para os casos discutidos neste artigo. Nas páginas seguintes, será lançado um olhar sobre aspetos teóricos da legendagem, do multilinguismo e da tradução multimodal. Serão discutidas várias abordagens de estudo de textos multimodais e, com base nestas abordagens, será apresentado um novo modelo de anotação acompanhado de alguns exemplos do filme Jenseits der Stille1 (Caroline Link, Alemanha, 1996). Este trata da relação entre uma rapariga ouvinte e os pais surdos. As * kpp.pieper@gmail.com 1 Tradução literal: “Além do silêncio”. Pieper, K. – Na encruzilhada entre multimodalidade e multilinguismo Translation Matters, 1(2), 2019, pp. 93-116, DOI: https://doi.org/10.21747/21844585/tma6 94 personagens, portanto, usam a língua gestual e a língua verbal falada − já à partida, uma situação de multilinguismo e multimodalidade. Esta situação potencializa-se com a versão legendada para um público-alvo estrangeiro. Ao mesmo tempo, as línguas expressam-se em canais semióticos diferentes – o auditivo e o visual. O modelo apresentado a seguir tem como objetivo incluir todos estes aspetos. 2. Aspetos teóricos 2.1 O que são legendas? Legendas consistem em uma ou duas linhas de texto escrito que correspondem ao texto falado ou escrito de um material fílmico, podendo ser uma tradução (interlinguística) ou uma reprodução escrita na mesma língua (intralinguística) para surdos ou aprendentes de uma língua. Henrik Gottlieb (2018, p. 59) considera a legendagem “an additive type of translation”, dado que as legendas são adicionadas ao filme original e aparecem em sincronia com o texto original (na dobragem, pelo contrário, o texto original é substituído). A legendagem deve facilitar ao máximo a leitura das legendas. Para evitar que o texto comprometa a fruição do filme ou vídeo, existem parâmetros, técnicas e regras que devem ser cumpridos. As legendas aparecem no ecrã, por via de regra, durante um a seis segundos, seguindo o ritmo das falas, e são separadas por uma pausa de dois a quatro frames. A definição de quando uma legenda aparece (timecode in) ou desaparece (timecode out) do ecrã chama-se timing (ou spotting). A quantidade de caracteres por legenda é limitada: varia entre 35 e 43 caracteres, sendo mais comum algo em torno de 36 caracteres. O tempo que a legenda permanece visível depende da quantidade de texto que se tem de ler em relação à duração da legenda. Tudo isso cria a necessidade de reduzir, condensar e, por vezes, até omitir parte do texto original. A arte da legendagem implica, portanto, manter o equilíbrio entre informação, ritmo, quantidade de texto, imagem e som (Ivarsson and Carroll, 1998). Neste artigo, será usado o termo “legendagem” tanto para o processo do timing como o da tradução (intraou interlinguística), tendo em conta que, na prática, ambos são geralmente efetuados na mesma etapa do fluxo de trabalho e as legendas resultam dos dois processos. O termo “filme” será usado independentemente do meio em que é veiculado, seja numa tela de cinema, na televisão ou no ecrã de um computador.","PeriodicalId":423879,"journal":{"name":"Translation Matters","volume":"1 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"1900-01-01","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Translation Matters","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.21747/21844585/tm1_2a6","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract
Em tempos de um número crescente de textos multimodais, seja em websites, redes sociais ou meios audiovisuais, o tema da multimodalidade é mais relevante do que nunca. O filme Jenseits der Stille (lançado em português do Brasil sob o título A música e o silêncio), tendo em conta que os protagonistas usam tanto a linguagem gestual quanto verbal, apresenta uma situação de multilinguismo que se torna ainda mais complexa na versão legendada para o público estrangeiro. Este artigo propõe um modelo descritivo que leva em conta o multilinguismo, a multimodalidade e a legendagem e que pode eventualmente ser estendido a outros tipos de textos multimodais. PALAVRAS-CHAVE: Tradução Audiovisual, Legendagem, Multimodalidade, Multilinguismo, Modelos de Descrição Multimodal 1. Introdução Um dos primeiros teóricos que se ocupou de fenómenos de multimodalidade na tradução foi Roman Jakobson (1959), utilizando conceitos dos estudos semióticos. Assim definiu tradução intersemiótica em oposição à tradução intralinguística ou interlinguística: “Intersemiotic translation or transmutation is an interpretation of verbal signs by means of signs of nonverbal sign systems” (Jakobson, 1959, p. 233). No meio fílmico, coexistem signos verbais e não verbais, e a informação é transmitida pelo canal auditivo e pelo canal visual. O texto verbal é interpretado ou acompanhado por imagens e vice-versa. Portanto, na tradução audiovisual e, mais explicitamente, na legendagem, vários sistemas de signos têm impacto na tradução. Hoje em dia, os textos audiovisuais são consumidos em múltiplos contextos, muitas vezes legendados, tais como em canais televisivos internacionais, nas salas de espera de consultórios médicos, nos meios sociais, na publicidade onipresente na internet etc. Os estudos de multimodalidade ocupam-se da análise e descrição deste tipo de texto. Existem esquemas de transcrição para textos multimodais: uns descrevem o texto multimodal em si, outros incluem a tradução classificando-a como intrae interlinguística ou intersemiótica. Estes modelos deram passos importantes para uma descrição multimodal de textos fílmicos legendados, mas não oferecem um modelo abrangente o suficiente para os casos discutidos neste artigo. Nas páginas seguintes, será lançado um olhar sobre aspetos teóricos da legendagem, do multilinguismo e da tradução multimodal. Serão discutidas várias abordagens de estudo de textos multimodais e, com base nestas abordagens, será apresentado um novo modelo de anotação acompanhado de alguns exemplos do filme Jenseits der Stille1 (Caroline Link, Alemanha, 1996). Este trata da relação entre uma rapariga ouvinte e os pais surdos. As * kpp.pieper@gmail.com 1 Tradução literal: “Além do silêncio”. Pieper, K. – Na encruzilhada entre multimodalidade e multilinguismo Translation Matters, 1(2), 2019, pp. 93-116, DOI: https://doi.org/10.21747/21844585/tma6 94 personagens, portanto, usam a língua gestual e a língua verbal falada − já à partida, uma situação de multilinguismo e multimodalidade. Esta situação potencializa-se com a versão legendada para um público-alvo estrangeiro. Ao mesmo tempo, as línguas expressam-se em canais semióticos diferentes – o auditivo e o visual. O modelo apresentado a seguir tem como objetivo incluir todos estes aspetos. 2. Aspetos teóricos 2.1 O que são legendas? Legendas consistem em uma ou duas linhas de texto escrito que correspondem ao texto falado ou escrito de um material fílmico, podendo ser uma tradução (interlinguística) ou uma reprodução escrita na mesma língua (intralinguística) para surdos ou aprendentes de uma língua. Henrik Gottlieb (2018, p. 59) considera a legendagem “an additive type of translation”, dado que as legendas são adicionadas ao filme original e aparecem em sincronia com o texto original (na dobragem, pelo contrário, o texto original é substituído). A legendagem deve facilitar ao máximo a leitura das legendas. Para evitar que o texto comprometa a fruição do filme ou vídeo, existem parâmetros, técnicas e regras que devem ser cumpridos. As legendas aparecem no ecrã, por via de regra, durante um a seis segundos, seguindo o ritmo das falas, e são separadas por uma pausa de dois a quatro frames. A definição de quando uma legenda aparece (timecode in) ou desaparece (timecode out) do ecrã chama-se timing (ou spotting). A quantidade de caracteres por legenda é limitada: varia entre 35 e 43 caracteres, sendo mais comum algo em torno de 36 caracteres. O tempo que a legenda permanece visível depende da quantidade de texto que se tem de ler em relação à duração da legenda. Tudo isso cria a necessidade de reduzir, condensar e, por vezes, até omitir parte do texto original. A arte da legendagem implica, portanto, manter o equilíbrio entre informação, ritmo, quantidade de texto, imagem e som (Ivarsson and Carroll, 1998). Neste artigo, será usado o termo “legendagem” tanto para o processo do timing como o da tradução (intraou interlinguística), tendo em conta que, na prática, ambos são geralmente efetuados na mesma etapa do fluxo de trabalho e as legendas resultam dos dois processos. O termo “filme” será usado independentemente do meio em que é veiculado, seja numa tela de cinema, na televisão ou no ecrã de um computador.