{"title":"De guardiões de um a guardiões de todos: notas sobre os tribunais de contas, do Medievo à modernidade","authors":"Henrique Pandim Barbosa Machado","doi":"10.52028/tce-pa.v02i03.art06","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Para nós, autointitulados “modernos” – quiçá, pós-modernos – tais perguntas podem carecer de significado ou, até mesmo, de importância. Porém, naquela altura, eram essenciais para a compreensão do sistema de poder então vigente. Nos termos da criada teoria, o rei possuiria dois corpos: um corpo físico, comum, mortal e, a priori susceptível de imperfeições, que representava, em suma, o rei enquanto pessoa; e um corpo divino, perfeito e perpétuo, representação do rei enquanto instituição, enquanto centro de poder estatal. Daí advieram diversas consequências. Uma delas, a responder as questões que colocamos antes, é a compreensão de que o corpo do rei-homem pode morrer, mas o corpo divino se perpetua e passa diretamente ao próximo corpo físico destinado a recebê-lo, não havendo, por isso, que se falar em hiato de poder. Porém, para o que nos propomos a tratar neste artigo, talvez não seja essa a consequência que mais importa. Para nós, é mais interessante notar que, com o tempo, a separação do rei em dois corpos – físico e divino – passou a gerar a própria noção de diferença entre espaços privados e públicos. As distinções entre o rei (pessoa física) e a Coroa (corpo perpétuo), passou também a ter as suas consequências em atos patrimoniais: de um lado, o patrimônio do rei-pessoa, passível de negociação como ele bem entendesse; de outro, o patrimônio da Coroa, protegido por uma série de garantias, como a imprescritibilidade, cuja proteção, por vezes, restringia a atuação do próprio rei. Essa distinção entre o patrimônio do rei e o patrimônio da Coroa permitiu o desenvolvimento da ideia que Kantorowicz menciona como “fiscal crown”, que culminará na fundação do “fiscus”. Mas, afinal, o que nos importa essa criação de um espaço público do reino distinto do espaço privado do rei?","PeriodicalId":308407,"journal":{"name":"Revista da Procuradoria do Tribunal de Contas do Estado do Pará","volume":"26 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2022-12-01","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Revista da Procuradoria do Tribunal de Contas do Estado do Pará","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.52028/tce-pa.v02i03.art06","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract
Para nós, autointitulados “modernos” – quiçá, pós-modernos – tais perguntas podem carecer de significado ou, até mesmo, de importância. Porém, naquela altura, eram essenciais para a compreensão do sistema de poder então vigente. Nos termos da criada teoria, o rei possuiria dois corpos: um corpo físico, comum, mortal e, a priori susceptível de imperfeições, que representava, em suma, o rei enquanto pessoa; e um corpo divino, perfeito e perpétuo, representação do rei enquanto instituição, enquanto centro de poder estatal. Daí advieram diversas consequências. Uma delas, a responder as questões que colocamos antes, é a compreensão de que o corpo do rei-homem pode morrer, mas o corpo divino se perpetua e passa diretamente ao próximo corpo físico destinado a recebê-lo, não havendo, por isso, que se falar em hiato de poder. Porém, para o que nos propomos a tratar neste artigo, talvez não seja essa a consequência que mais importa. Para nós, é mais interessante notar que, com o tempo, a separação do rei em dois corpos – físico e divino – passou a gerar a própria noção de diferença entre espaços privados e públicos. As distinções entre o rei (pessoa física) e a Coroa (corpo perpétuo), passou também a ter as suas consequências em atos patrimoniais: de um lado, o patrimônio do rei-pessoa, passível de negociação como ele bem entendesse; de outro, o patrimônio da Coroa, protegido por uma série de garantias, como a imprescritibilidade, cuja proteção, por vezes, restringia a atuação do próprio rei. Essa distinção entre o patrimônio do rei e o patrimônio da Coroa permitiu o desenvolvimento da ideia que Kantorowicz menciona como “fiscal crown”, que culminará na fundação do “fiscus”. Mas, afinal, o que nos importa essa criação de um espaço público do reino distinto do espaço privado do rei?