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Abstract
A tese enfrenta o problema da justiça e do ressentimento na sociedade plural e pós-moderna. Para lidar com tais questões, propomos uma articulação entre a ética de Ricouer, sobretudo nas obras O Si-Mesmo Como Outro e Justo I e II, e a filosofia do ressentimento de Nietzsche, em especial a partir da Genealogia da Moral, envolvendo ainda outros estudos. Os autores partem de desafios e contextos filosóficos próprios, mas, a partir da pesquisa, mostramos como a filosofia nietzschiana do direito e da moral conduzem para uma crítica que encontra ressonância na filosofia ética de Ricoeur. Constatamos que a crítica nietzschiana ao direito moderno fornece elementos importantes para compreender o acirramento das diferenças ético-sociais agravadas no cenário plural e multicultural da sociedade pós-moderna. O diagnóstico de Nietzsche é de que a moral moderna, mas também o direito moderno, foi constituída como triunfo de afetos reativos sobre os afetos ativos, fenômeno que o autor elabora através do conceito de ressentimento. Tal forma de estruturação da moral implica uma prática do direito centrado, de um lado, na norma enquanto interdição das pulsões ativas e, de outro, na perspectiva da vítima, igualando a justiça a uma espécie de reparação integral dos danos e liberdade negativa garantida pela norma. Nietzsche apresenta, contudo, uma nova concepção de direito enquanto forma de antagonismo entre forças que se encontram e, na disputa jurídica, elaboram uma forma precária de conservação de si. Essa concepção abre uma ponte possível para uma filosofia do direito desatrelada da noção forte de norma e de justiça como realização integral de direitos garantidos. Desse modo, abre-se um diálogo possível para a recuperação da ética a partir de Ricoeur, espaço em que surge uma nova semântica da ideia de bem e dos fins do direito, de modo a complementar o raciocínio normativo formal com perspectiva teleológica mais ampla. A correlação filosófica entre a vontade de potência de Nietzsche e a ética de Ricouer se torna possível pela figura do amor e do perdão, sobretudo a partir da crítica de Max Scheler a Nietzsche, no sentido da possibilidade de o amor figurar como expressão da potência do humano. Assim, o perdão, enquanto expressão possível do amor entre inimigos, evidencia a conexão entre a vontade de potência e a noção ética do bem comum, o que remete a um novo fundamento da norma a partir da alteridade e, em última instância, conduz ao mútuo reconhecimento enquanto operação básica da justiça. A ideia de mútuo reconhecimento restitui a prevalência da ideia objetiva de direitos, através da qual se torna possível compreender um direito desapossado do indivíduo, mas como efetivamente aquilo que se reconhece ao outro como custo da liberdade numa vida plural. Através dessas correlações, encontramos em Ricouer material filosófico para compreender como a inserção na ética no direito responde ao desafio da superação do ressentimento. Dessas correlações, advém a conclusão de que a superação do ressentimento passa pela substituição do modelo do direito como norma e da ideia de direito subjetivo como espaço de liberdade negativa ou de não interferência por um outro modelo de direito, em que o papel das instituições de justiça está atrelado ao fim ético do engajamento numa economia do mútuo reconhecimento. Consequentemente, dá-se uma redefinição dos fins do processo judicial, que agora ganha o sentido de disputa agonística cujo resultado não pode ser pré-determinado, mas apenas guiado pela tolerância e pela busca da convivência pacífica numa sociedade plural.