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Abstract
As técnicas modernas de reprodução e representação preconizam normas de identificação e socialização que claramente denunciam o significado histórico das teorias da recepção estética e da hermenêutica. O olhar contemporâneo guarda, assim, muito pouco das prerrogativas da contemplação clássica, não menos treinada para esse fim; restringe-se, antes, à percepção apenas reativa e a uma temporalidade vivencial mínima, cuja síntese é a fotografia.2 Diante do clamor das imagens, a nada mais se fixa atenção, que apenas transita de uma à outra. Como a abstração é verdadeira precisamente pelo que a falsifica, a imagem desmente o que representa e representa o próprio desmentido. Se a pintura e a escultura, os correlatos da imagem visual, até a apresentação do daguerreotipo em 1839 na França, tinham se desenvolvido como materializações simbólicas do olhar, a fotografia é o representante mais fiel do objetivismo abstrato positivista, focado essencialmente no âmbito da referencialidade, e atinge hoje seu vórtice epocal. Mesmo seus artificialismos, cada vez mais imperantes no cinema e na televisão não o negam, senão que são tentativas de contrafação da desconcertante objetividade fotográfica, subterfúgios que garantem dialeticamente sua predominância. Ao mesmo tempo, devassam os redutos metafísicos do dualismo entre símbolo e natureza, forma e matéria, significante e significado, postos a seu serviço. Seu caráter ideológico consiste no modo como hipostasia a singularidade na individualidade despersonalizada liberal. A imagem revela, então, que essa despersonalização resulta, antes, da inflação do personalismo empreendedor e de sua deterioração a partir das esferas mais altas do poder.3 R. Debray observava, a respeito do Estado midiatizado, que “O segredo do poder supremo se manifesta antes nos 'dois corpos do Rei': um, físico, o outro, jurídico. Um carnal, outro simbólico.”4 A