{"title":"头痛和乳糜泻:有什么共同点?","authors":"Ana Carvalho","doi":"10.46531/SINAPSE/CC/190027/2020","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Celiac disease is a condition with a large spectrum of manifestations that goes far beyond the classic presentation, with poor weight progression. Extra-intestinal manifestations play an important role in the diagnostic approach and should therefore be recognized. Headache may be considered an extra-intestinal manifestation of the disease or may arise throughout its course. There is an increased prevalence of headache in celiac disease patients and vice-versa. We present the case of a 5-year-old boy with a diagnosis of celiac disease (established in the context of investigation for poor weight progression), who had complaints of episodic headache and paroxysmal vertigo. The semiology of the condition, the diagnostic categorization of headache and its accompanying symptoms are discussed, considering its primary or secondary features, in this case to the underlying autoimmune disease. Sinapse | Volume 20 | N.o 1 | January-March 2020 72 Introdução A cefaleia é uma queixa comum em crianças e adolescentes,1 assumindo uma prevalência elevada na população geral e sendo caracterizada por variáveis clínicas muito diversas, de onde resultam vários tipos de diagnósticos (de cefaleias primárias a secundárias, o espectro clínico é muito amplo). Pode apresentar-se como contínua, intermitente ou ocasional e associar-se, por vezes, a náuseas, vómitos ou sintomas neurológicos transitórios. Em crianças, a cefaleia é geralmente benigna, transitória e com um prognóstico favorável, mas o aparecimento dos sintomas supracitados pode fazer com que a expressão clínica de uma entidade dita benigna se transforme num evento com impacto muito negativo no dia-a-dia das crianças e das famílias, desde logo contribuindo para o absentismo escolar e, necessariamente, complicando o relacionamento com os pares.1 A coexistência de diferentes tipos de cefaleia pode dificultar um diagnóstico preciso.2 Ainda assim, é importante concretizá-lo, pois algumas entidades beneficiam de tratamento específico, contribuindo para uma importante redução da frequência das queixas e, naturalmente, para um incremento da qualidade de vida.3 A doença celíaca (DC) é uma enteropatia dependente de glúten,2 sendo considerada uma doença autoimune, desencadeada pela ingestão desse tipo de proteína.4 Tem uma prevalência estimada de aproximadamente 0,7%-2% na população em geral e 0,4%-1,3% em crianças.5,6 Ocorre principalmente no intestino delgado proximal, em indivíduos geneticamente suscetíveis.7 As manifestações clínicas da doença variam e podem incluir desde sintomatologia gastrointestinal típica a queixas intestinais mínimas, incomuns ou ausentes, havendo também possibilidade de ocorrência de manifestações extraintestinais5 Sintomas neurológicos podem constituir-se como manifestação extraintestinal da doença7 (os mais característicos são a ataxia cerebelosa e as queixas sugestivas de uma neuropatia periférica),8 podendo desenvolver-se durante a evolução da mesma ou ser uma apresentação inicial.6 As queixas de cefaleia entre crianças com diagnóstico de DC são frequentes, assumindo uma prevalência de 18,3% (95% CI 10,4%-30,2%), de acordo com uma revisão recentemente publicada9 e sendo descritas como tendo características de enxaqueca. Ainda assim, de acordo com os resultados apresentados pelos mesmos autores, em 75% das crianças com cefaleia, tais queixas melhoram ou resolvem com recurso a uma dieta isenta de glúten (o único tratamento eficaz e disponível para a doença de base),4 havendo possibilidade de assumir, assim, o diagnóstico de uma cefaleia associada a uma perturbação da homeostasia (a DC, neste caso), de acordo com a Classificação Internacional de Cefaleias, versão 3 (parte 2, capítulo 10).10 As crianças que não melhoram com a supressão da ingestão de glúten poderão, de facto, ter uma cefaleia primária (uma enxaqueca, dadas as características clínicas frequentemente reportadas) em concomitância com a DC, o que tem necessariamente outras implicações terapêuticas. Efectivamente, em dois estudos caso-controlo3,11 e em dois estudos de coorte2,12 previamente publicados, foi possível demonstrar que a associação entre a enxaqueca e a DC não é espúria e, de facto, os indivíduos que já têm o diagnóstico estabelecido de enxaqueca apresentam uma prevalência de DC superior à que é conhecida para a população em geral, acima referida (numa análise agrupada de todos os estudos, determinou-se uma prevalência de DC em crianças já com o diagnóstico de enxaqueca de 2,4% [95%CI 1,5%-3,7%]).9 Por isso, a anamnese cuidada é fundamental, pois nela radica o sucesso do diagnóstico clínico e, necessariamente, da estratégia terapêutica a implementar. Apresentamos um caso ilustrativo desta situação, envolvendo uma criança com DC e queixas de cefaleia.","PeriodicalId":53695,"journal":{"name":"Sinapse","volume":null,"pages":null},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2020-06-30","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":"{\"title\":\"Cefaleia e Doença Celíaca: O Que Há em Comum?\",\"authors\":\"Ana Carvalho\",\"doi\":\"10.46531/SINAPSE/CC/190027/2020\",\"DOIUrl\":null,\"url\":null,\"abstract\":\"Celiac disease is a condition with a large spectrum of manifestations that goes far beyond the classic presentation, with poor weight progression. Extra-intestinal manifestations play an important role in the diagnostic approach and should therefore be recognized. Headache may be considered an extra-intestinal manifestation of the disease or may arise throughout its course. 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