{"title":"关于单一真理和批判教育的说明,通过序言的方式","authors":"Marcos Sorrentino","doi":"10.32712/2446-4775.2024.1656","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"“Educar é transmitir conhecimentos acumulados pela humanidade para as novas gerações”! Esta é uma percepção corriqueira, enunciada por pessoas que compreendem a educação como ensino. Entre os que a concebem como aprendizado, a ênfase é na construção do conhecimento pelo sujeito, não se limitando à transmissão de conteúdos, sendo o educar, antes de mais nada, a criação de condições para a pessoa elaborar seus conhecimentos conforme sua peculiar forma de ser. \nEnsinar o que as pessoas mais velhas, os profissionais da educação ou, os hermeneutas, considerem a verdade a ser transmitida, ou propiciar aos participantes do processo educador as condições para que construam seus próprios aprendizados? \nEducação como ensino e aprendizagem, como duas faces de uma mesma moeda, polos indissociáveis que na história dos sapiens propiciou às sucessivas gerações apreenderem, incorporarem o ensinado pelas anteriores e inovarem. \nEnsinar/aprender comportamentos e atitudes que facilitam a sobrevivência e possibilitam as buscas mais sofisticadas da alma humana. Ensinar caminhos, respostas encontradas pelos antepassados, as verdades deles. Cada pessoa e grupo social compreende, cria e transmite suas verdades, seja por meio da cultura cotidiana e dos seus ritos de passagem, seja nas escolas ou espaços a isso dedicados. \nVerdades naturalizadas como cultura. Verdades únicas que muitas vezes não oferecem respostas apropriadas aos complexos desafios da contemporaneidade. Em tempos de mudanças aceleradas é preciso propiciar diálogos em busca de respostas pactuadas aos desafios colocados para a sobrevivência da espécie. Diálogo entre conhecimentos acumulados por distintas culturas e tribos humanas e incentivo à capacidade de inovação e criatividade de todas as pessoas. \nForjar uma “nova cultura da Terra, da terra, dos corpos e dos territórios”, para enfrentar as mudanças climáticas, a onipresença doentia das telas de realidade virtual, a erosão da diversidade biológica, a contaminação da água, do ar e dos alimentos, as violências diversas, a insegurança da vida nas cidades e o sentimento de futuro roubado. \nUma nova cultura que potencialize o enfrentamento de epidemias contemporâneas, como a ansiedade, a depressão e tantas outras doenças psicossomáticas. Enfim, a cultura ou as culturas das sociedades humanas contemporâneas, não têm se demonstrado preparadas para a formação de pessoas capazes de enfrentar os enormes desafios emergentes. Os sapiens hominídeos terão capacidade para realizar uma profunda revolução cultural, por meio da educação? \nSempre me incomodei com pessoas que enunciam suas crenças e convicções como verdade única. Acredito que elas, as verdades únicas, quando enunciadas e praticadas pelos que as forjaram, podem ter sua marca de autenticidade e serem a cultura de um determinado grupo, mas, quando se tornam obviedades em busca de hegemonia, repetidas sem análise crítica e reproduzidas como fé cega, servem à domesticação e são fontes de acriticidade, autoritarismo, totalitarismos e outros desdobramentos como guerras, massacres e formas de violência diversas que já se viu ao longo da história e, infelizmente, continua-se a presenciar. \nPode-se encontrar esses comportamentos em exemplos cotidianos e doentios como o das torcidas esportivas, em que a adesão a um time leva pessoas a quererem eliminar fisicamente quem gosta de outro ou, no machismo, racismo, homofobia e especismo que, na cabeça do agressor, justifica a eliminação de outro ser que não é, ou não pensa, acredita e deseja, como ele. \nCrenças cegas atingem danos ainda maiores nos campos da política, da religião e da ciência, arenas que a princípio seriam propícias ao diálogo e ao cultivo de valores como solidariedade, fraternidade, compaixão, amor e paz - campos férteis para a vida em comunidades de buscas compartilhadas por respostas para inquietações e enigmas que sempre acompanharam a humanidade. \nA busca e a descoberta de uma verdade poderiam ser compreendidas como uma entre outras possibilidades de caminhadas e descobertas. O buscar e o encontrar explicação para dúvidas e inquietações existenciais (quem sou eu? O que estou fazendo aqui? Qual é o sentido da minha existência? Qual é ou quais são meus propósitos ao longo desta curta vida na Terra? Como posso melhor contribuir para a felicidade minha e de outras pessoas) pode motivar o caminhar e o evoluir de cada pessoa e de grupos sociais, sem que suas respostas precisem ser assumidas como verdades únicas para toda a humanidade. \nEssas perguntas do parágrafo anterior e outras semelhantes acompanham os seres humanos, ao longo de toda a sua existência. Hannah Arendt em A Condição Humana faz uma didática reflexão sobre a busca pela “imortalidade” ou pela “eternidade” a pautar a vida de pessoas, quando superada a luta cotidiana pela “sobrevivência”. \nElas buscam sentidos existenciais para além da morte, uns por meio da grande obra que deixarão nesta Terra, outros pelos caminhos que lhes permitam acreditar que irão conquistar um lugar no Paraíso, nos Campos Elísios, no Céu, no Nirvana ou em outro local que as crenças apontem como o destino de suas buscas. \nRespostas encontradas e transmitidas, passam muitas vezes a ser ritualizadas e dogmatizadas como verdade única. Como enfrentar a tensão paradoxal entre o anseio por uma verdade universal e a compreensão racional sobre a diversidade de verdades e suas emergências parciais e fragmentadas? \nImagine uma luz imensa e intensa, sem fonte externa, sem fios, composta de uma imensidão de pixels/pessoas (minúsculos pontos de luz que são a própria luz), como se fosse uma enorme tela ou esfera. Cada ponto é a constituição e a manifestação dessa luz, uma parte infinitesimal dela. Alguns acreditam ser a sua luz o todo e negam as demais compreensões e verdades dos demais pontos que constituem o conjunto. \nPixels constituem essa enorme teia de luz, da qual conheço uma parte, pois estou dentro dela e não consigo ver o todo. Procuro compreender o todo somando-me às outras compreensões. A visualização do todo por aproximações sucessivas não pode prescindir do acúmulo das visões parciais. Algumas somam-se às demais. Outras ficam fora do campo imediato de visão e diálogo, mas podem oportunamente contribuir para a compreensão do todo. \nNesta busca de compreensão do todo que motiva o educar ambientalista, por muitos anos fiz uma pergunta aos estudantes com os quais trabalhei: Educação Ambiental (EA) se assemelha mais a um quebra-cabeças, uma brincadeira de encaixes, tipo lego, ou a massinhas multicoloridas? \nManifestava, ao final das reflexões dos estudantes, minha preferência pela brincadeira com massinhas coloridas. Não me agradava a verdade única do criador do quebra-cabeças, ou das alternativas pré-definidas das combinações possíveis no jogo de encaixes. Eles podem diminuir a criatividade, a iniciativa em busca por novas artes, estéticas e aprendizados, exigências para processos educadores comprometidos com a problemática socioambiental. \nDepois de um tempo, também me questionava se a repetida mistura das massinhas tornaria a brincadeira sem cores, ou, com uma cor única, não mais motivando aprendizados diversos que a EA deveria propiciar. \nO mesmo questionamento fiz na banca de defesa de uma bonita tese que advogava a antropofagia do movimento modernista do século passado no Brasil como um importante caminho para a EA. Nos alimentarmos e transmutarmos com os conhecimentos dos outros, sem nos eliminarmos como alteridade, era a busca enunciada. A dúvida que expressei era a de, nesse movimento antropofágico, nos tornarmos homogêneos, iguais, monocromáticos como as massinhas que se misturam. Monoculturais como os sapiens que incorporaram ou eliminaram os demais hominídeos ou, os romanos que, o mesmo, fizeram com as demais culturas que conquistaram e dominaram. \nDesafio paradoxal de reconhecer a outra pessoa, aprender e modificar-se com ela e seguir com as próprias pernas, que já são também pernas dela, mas mantém cores, tonalidades e textura próprias e passos apropriados aos peculiares caminhos a serem percorridos. \nSempre se coloca presente a busca por uma educação que enfrente o desafio de enunciar uma verdade sem limitar o enunciado de outras verdades e sem abafar a busca das verdades pelas outras pessoas. Educação que ensina, mas, que acima de tudo, propicia aprendizados idiossincráticos. \nEducação que incentiva iniciativa e criatividade, autonomia e autogestão e supera o falso dilema “regras x indisciplina” enunciando “é proibido proibir!” como uma forma de dizer, “pelo menos uma regra será necessária”. Regras que definam limites, mas abram espaços ao seu questionamento e redefinição. Educação que apresenta objetivos, metas e método, referenciados em valores (do tipo: participação, diálogo, solidariedade, cooperação), mas os reconhece também como contextualizados e datados historicamente e passíveis de serem questionados. \nObjetivos e valores, metas e método, normas e regras que podem ser vistas como limitadoras de mudanças e transformações. Por exemplo, é visível o desgaste das formas instituídas de fazer política e tomar decisões sobre a vida em comum nas sociedades contemporâneas. É visível a necessidade de transformações profundas em nossa forma de ser e estar em sociedades neste Planeta e nos Estados-Nação, a forma hegemônica de organização dos humanos na modernidade. Se o desejo e a necessidade de modificar as formas instituídas de fazer política, passa por dentro das instituições que se quer superar, como fazê-lo? Será que os representantes eleitos, que recebem a incumbência de decidir pelas mudanças, vão querer alterar os limites, as regras, que lhes deram poder? \nOu seria melhor explodir o legislativo, o executivo e o judiciário e os representantes ali empossados? Seria uma solução mais efetiva? Algumas pessoas tentaram realizá-la em 08/01/2023 no Brasil. Se tivessem sido bem-sucedidas, hoje teríamos uma forma melhor para tomar decisões sobre a vida em sociedade? 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Cada pessoa e grupo social compreende, cria e transmite suas verdades, seja por meio da cultura cotidiana e dos seus ritos de passagem, seja nas escolas ou espaços a isso dedicados. \\nVerdades naturalizadas como cultura. Verdades únicas que muitas vezes não oferecem respostas apropriadas aos complexos desafios da contemporaneidade. Em tempos de mudanças aceleradas é preciso propiciar diálogos em busca de respostas pactuadas aos desafios colocados para a sobrevivência da espécie. Diálogo entre conhecimentos acumulados por distintas culturas e tribos humanas e incentivo à capacidade de inovação e criatividade de todas as pessoas. \\nForjar uma “nova cultura da Terra, da terra, dos corpos e dos territórios”, para enfrentar as mudanças climáticas, a onipresença doentia das telas de realidade virtual, a erosão da diversidade biológica, a contaminação da água, do ar e dos alimentos, as violências diversas, a insegurança da vida nas cidades e o sentimento de futuro roubado. \\nUma nova cultura que potencialize o enfrentamento de epidemias contemporâneas, como a ansiedade, a depressão e tantas outras doenças psicossomáticas. Enfim, a cultura ou as culturas das sociedades humanas contemporâneas, não têm se demonstrado preparadas para a formação de pessoas capazes de enfrentar os enormes desafios emergentes. Os sapiens hominídeos terão capacidade para realizar uma profunda revolução cultural, por meio da educação? \\nSempre me incomodei com pessoas que enunciam suas crenças e convicções como verdade única. Acredito que elas, as verdades únicas, quando enunciadas e praticadas pelos que as forjaram, podem ter sua marca de autenticidade e serem a cultura de um determinado grupo, mas, quando se tornam obviedades em busca de hegemonia, repetidas sem análise crítica e reproduzidas como fé cega, servem à domesticação e são fontes de acriticidade, autoritarismo, totalitarismos e outros desdobramentos como guerras, massacres e formas de violência diversas que já se viu ao longo da história e, infelizmente, continua-se a presenciar. \\nPode-se encontrar esses comportamentos em exemplos cotidianos e doentios como o das torcidas esportivas, em que a adesão a um time leva pessoas a quererem eliminar fisicamente quem gosta de outro ou, no machismo, racismo, homofobia e especismo que, na cabeça do agressor, justifica a eliminação de outro ser que não é, ou não pensa, acredita e deseja, como ele. \\nCrenças cegas atingem danos ainda maiores nos campos da política, da religião e da ciência, arenas que a princípio seriam propícias ao diálogo e ao cultivo de valores como solidariedade, fraternidade, compaixão, amor e paz - campos férteis para a vida em comunidades de buscas compartilhadas por respostas para inquietações e enigmas que sempre acompanharam a humanidade. \\nA busca e a descoberta de uma verdade poderiam ser compreendidas como uma entre outras possibilidades de caminhadas e descobertas. O buscar e o encontrar explicação para dúvidas e inquietações existenciais (quem sou eu? O que estou fazendo aqui? Qual é o sentido da minha existência? Qual é ou quais são meus propósitos ao longo desta curta vida na Terra? Como posso melhor contribuir para a felicidade minha e de outras pessoas) pode motivar o caminhar e o evoluir de cada pessoa e de grupos sociais, sem que suas respostas precisem ser assumidas como verdades únicas para toda a humanidade. \\nEssas perguntas do parágrafo anterior e outras semelhantes acompanham os seres humanos, ao longo de toda a sua existência. Hannah Arendt em A Condição Humana faz uma didática reflexão sobre a busca pela “imortalidade” ou pela “eternidade” a pautar a vida de pessoas, quando superada a luta cotidiana pela “sobrevivência”. \\nElas buscam sentidos existenciais para além da morte, uns por meio da grande obra que deixarão nesta Terra, outros pelos caminhos que lhes permitam acreditar que irão conquistar um lugar no Paraíso, nos Campos Elísios, no Céu, no Nirvana ou em outro local que as crenças apontem como o destino de suas buscas. \\nRespostas encontradas e transmitidas, passam muitas vezes a ser ritualizadas e dogmatizadas como verdade única. Como enfrentar a tensão paradoxal entre o anseio por uma verdade universal e a compreensão racional sobre a diversidade de verdades e suas emergências parciais e fragmentadas? \\nImagine uma luz imensa e intensa, sem fonte externa, sem fios, composta de uma imensidão de pixels/pessoas (minúsculos pontos de luz que são a própria luz), como se fosse uma enorme tela ou esfera. Cada ponto é a constituição e a manifestação dessa luz, uma parte infinitesimal dela. Alguns acreditam ser a sua luz o todo e negam as demais compreensões e verdades dos demais pontos que constituem o conjunto. \\nPixels constituem essa enorme teia de luz, da qual conheço uma parte, pois estou dentro dela e não consigo ver o todo. Procuro compreender o todo somando-me às outras compreensões. A visualização do todo por aproximações sucessivas não pode prescindir do acúmulo das visões parciais. Algumas somam-se às demais. Outras ficam fora do campo imediato de visão e diálogo, mas podem oportunamente contribuir para a compreensão do todo. \\nNesta busca de compreensão do todo que motiva o educar ambientalista, por muitos anos fiz uma pergunta aos estudantes com os quais trabalhei: Educação Ambiental (EA) se assemelha mais a um quebra-cabeças, uma brincadeira de encaixes, tipo lego, ou a massinhas multicoloridas? \\nManifestava, ao final das reflexões dos estudantes, minha preferência pela brincadeira com massinhas coloridas. Não me agradava a verdade única do criador do quebra-cabeças, ou das alternativas pré-definidas das combinações possíveis no jogo de encaixes. Eles podem diminuir a criatividade, a iniciativa em busca por novas artes, estéticas e aprendizados, exigências para processos educadores comprometidos com a problemática socioambiental. \\nDepois de um tempo, também me questionava se a repetida mistura das massinhas tornaria a brincadeira sem cores, ou, com uma cor única, não mais motivando aprendizados diversos que a EA deveria propiciar. \\nO mesmo questionamento fiz na banca de defesa de uma bonita tese que advogava a antropofagia do movimento modernista do século passado no Brasil como um importante caminho para a EA. Nos alimentarmos e transmutarmos com os conhecimentos dos outros, sem nos eliminarmos como alteridade, era a busca enunciada. A dúvida que expressei era a de, nesse movimento antropofágico, nos tornarmos homogêneos, iguais, monocromáticos como as massinhas que se misturam. Monoculturais como os sapiens que incorporaram ou eliminaram os demais hominídeos ou, os romanos que, o mesmo, fizeram com as demais culturas que conquistaram e dominaram. \\nDesafio paradoxal de reconhecer a outra pessoa, aprender e modificar-se com ela e seguir com as próprias pernas, que já são também pernas dela, mas mantém cores, tonalidades e textura próprias e passos apropriados aos peculiares caminhos a serem percorridos. \\nSempre se coloca presente a busca por uma educação que enfrente o desafio de enunciar uma verdade sem limitar o enunciado de outras verdades e sem abafar a busca das verdades pelas outras pessoas. Educação que ensina, mas, que acima de tudo, propicia aprendizados idiossincráticos. \\nEducação que incentiva iniciativa e criatividade, autonomia e autogestão e supera o falso dilema “regras x indisciplina” enunciando “é proibido proibir!” como uma forma de dizer, “pelo menos uma regra será necessária”. Regras que definam limites, mas abram espaços ao seu questionamento e redefinição. Educação que apresenta objetivos, metas e método, referenciados em valores (do tipo: participação, diálogo, solidariedade, cooperação), mas os reconhece também como contextualizados e datados historicamente e passíveis de serem questionados. \\nObjetivos e valores, metas e método, normas e regras que podem ser vistas como limitadoras de mudanças e transformações. Por exemplo, é visível o desgaste das formas instituídas de fazer política e tomar decisões sobre a vida em comum nas sociedades contemporâneas. É visível a necessidade de transformações profundas em nossa forma de ser e estar em sociedades neste Planeta e nos Estados-Nação, a forma hegemônica de organização dos humanos na modernidade. Se o desejo e a necessidade de modificar as formas instituídas de fazer política, passa por dentro das instituições que se quer superar, como fazê-lo? Será que os representantes eleitos, que recebem a incumbência de decidir pelas mudanças, vão querer alterar os limites, as regras, que lhes deram poder? \\nOu seria melhor explodir o legislativo, o executivo e o judiciário e os representantes ali empossados? Seria uma solução mais efetiva? Algumas pessoas tentaram realizá-la em 08/01/2023 no Brasil. Se tivessem sido bem-sucedidas, hoje teríamos uma forma melhor para tomar decisões sobre a vida em sociedade? 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Apontamentos sobre Verdade Única e Educação Crítica, à guisa de um Prefácio
“Educar é transmitir conhecimentos acumulados pela humanidade para as novas gerações”! Esta é uma percepção corriqueira, enunciada por pessoas que compreendem a educação como ensino. Entre os que a concebem como aprendizado, a ênfase é na construção do conhecimento pelo sujeito, não se limitando à transmissão de conteúdos, sendo o educar, antes de mais nada, a criação de condições para a pessoa elaborar seus conhecimentos conforme sua peculiar forma de ser.
Ensinar o que as pessoas mais velhas, os profissionais da educação ou, os hermeneutas, considerem a verdade a ser transmitida, ou propiciar aos participantes do processo educador as condições para que construam seus próprios aprendizados?
Educação como ensino e aprendizagem, como duas faces de uma mesma moeda, polos indissociáveis que na história dos sapiens propiciou às sucessivas gerações apreenderem, incorporarem o ensinado pelas anteriores e inovarem.
Ensinar/aprender comportamentos e atitudes que facilitam a sobrevivência e possibilitam as buscas mais sofisticadas da alma humana. Ensinar caminhos, respostas encontradas pelos antepassados, as verdades deles. Cada pessoa e grupo social compreende, cria e transmite suas verdades, seja por meio da cultura cotidiana e dos seus ritos de passagem, seja nas escolas ou espaços a isso dedicados.
Verdades naturalizadas como cultura. Verdades únicas que muitas vezes não oferecem respostas apropriadas aos complexos desafios da contemporaneidade. Em tempos de mudanças aceleradas é preciso propiciar diálogos em busca de respostas pactuadas aos desafios colocados para a sobrevivência da espécie. Diálogo entre conhecimentos acumulados por distintas culturas e tribos humanas e incentivo à capacidade de inovação e criatividade de todas as pessoas.
Forjar uma “nova cultura da Terra, da terra, dos corpos e dos territórios”, para enfrentar as mudanças climáticas, a onipresença doentia das telas de realidade virtual, a erosão da diversidade biológica, a contaminação da água, do ar e dos alimentos, as violências diversas, a insegurança da vida nas cidades e o sentimento de futuro roubado.
Uma nova cultura que potencialize o enfrentamento de epidemias contemporâneas, como a ansiedade, a depressão e tantas outras doenças psicossomáticas. Enfim, a cultura ou as culturas das sociedades humanas contemporâneas, não têm se demonstrado preparadas para a formação de pessoas capazes de enfrentar os enormes desafios emergentes. Os sapiens hominídeos terão capacidade para realizar uma profunda revolução cultural, por meio da educação?
Sempre me incomodei com pessoas que enunciam suas crenças e convicções como verdade única. Acredito que elas, as verdades únicas, quando enunciadas e praticadas pelos que as forjaram, podem ter sua marca de autenticidade e serem a cultura de um determinado grupo, mas, quando se tornam obviedades em busca de hegemonia, repetidas sem análise crítica e reproduzidas como fé cega, servem à domesticação e são fontes de acriticidade, autoritarismo, totalitarismos e outros desdobramentos como guerras, massacres e formas de violência diversas que já se viu ao longo da história e, infelizmente, continua-se a presenciar.
Pode-se encontrar esses comportamentos em exemplos cotidianos e doentios como o das torcidas esportivas, em que a adesão a um time leva pessoas a quererem eliminar fisicamente quem gosta de outro ou, no machismo, racismo, homofobia e especismo que, na cabeça do agressor, justifica a eliminação de outro ser que não é, ou não pensa, acredita e deseja, como ele.
Crenças cegas atingem danos ainda maiores nos campos da política, da religião e da ciência, arenas que a princípio seriam propícias ao diálogo e ao cultivo de valores como solidariedade, fraternidade, compaixão, amor e paz - campos férteis para a vida em comunidades de buscas compartilhadas por respostas para inquietações e enigmas que sempre acompanharam a humanidade.
A busca e a descoberta de uma verdade poderiam ser compreendidas como uma entre outras possibilidades de caminhadas e descobertas. O buscar e o encontrar explicação para dúvidas e inquietações existenciais (quem sou eu? O que estou fazendo aqui? Qual é o sentido da minha existência? Qual é ou quais são meus propósitos ao longo desta curta vida na Terra? Como posso melhor contribuir para a felicidade minha e de outras pessoas) pode motivar o caminhar e o evoluir de cada pessoa e de grupos sociais, sem que suas respostas precisem ser assumidas como verdades únicas para toda a humanidade.
Essas perguntas do parágrafo anterior e outras semelhantes acompanham os seres humanos, ao longo de toda a sua existência. Hannah Arendt em A Condição Humana faz uma didática reflexão sobre a busca pela “imortalidade” ou pela “eternidade” a pautar a vida de pessoas, quando superada a luta cotidiana pela “sobrevivência”.
Elas buscam sentidos existenciais para além da morte, uns por meio da grande obra que deixarão nesta Terra, outros pelos caminhos que lhes permitam acreditar que irão conquistar um lugar no Paraíso, nos Campos Elísios, no Céu, no Nirvana ou em outro local que as crenças apontem como o destino de suas buscas.
Respostas encontradas e transmitidas, passam muitas vezes a ser ritualizadas e dogmatizadas como verdade única. Como enfrentar a tensão paradoxal entre o anseio por uma verdade universal e a compreensão racional sobre a diversidade de verdades e suas emergências parciais e fragmentadas?
Imagine uma luz imensa e intensa, sem fonte externa, sem fios, composta de uma imensidão de pixels/pessoas (minúsculos pontos de luz que são a própria luz), como se fosse uma enorme tela ou esfera. Cada ponto é a constituição e a manifestação dessa luz, uma parte infinitesimal dela. Alguns acreditam ser a sua luz o todo e negam as demais compreensões e verdades dos demais pontos que constituem o conjunto.
Pixels constituem essa enorme teia de luz, da qual conheço uma parte, pois estou dentro dela e não consigo ver o todo. Procuro compreender o todo somando-me às outras compreensões. A visualização do todo por aproximações sucessivas não pode prescindir do acúmulo das visões parciais. Algumas somam-se às demais. Outras ficam fora do campo imediato de visão e diálogo, mas podem oportunamente contribuir para a compreensão do todo.
Nesta busca de compreensão do todo que motiva o educar ambientalista, por muitos anos fiz uma pergunta aos estudantes com os quais trabalhei: Educação Ambiental (EA) se assemelha mais a um quebra-cabeças, uma brincadeira de encaixes, tipo lego, ou a massinhas multicoloridas?
Manifestava, ao final das reflexões dos estudantes, minha preferência pela brincadeira com massinhas coloridas. Não me agradava a verdade única do criador do quebra-cabeças, ou das alternativas pré-definidas das combinações possíveis no jogo de encaixes. Eles podem diminuir a criatividade, a iniciativa em busca por novas artes, estéticas e aprendizados, exigências para processos educadores comprometidos com a problemática socioambiental.
Depois de um tempo, também me questionava se a repetida mistura das massinhas tornaria a brincadeira sem cores, ou, com uma cor única, não mais motivando aprendizados diversos que a EA deveria propiciar.
O mesmo questionamento fiz na banca de defesa de uma bonita tese que advogava a antropofagia do movimento modernista do século passado no Brasil como um importante caminho para a EA. Nos alimentarmos e transmutarmos com os conhecimentos dos outros, sem nos eliminarmos como alteridade, era a busca enunciada. A dúvida que expressei era a de, nesse movimento antropofágico, nos tornarmos homogêneos, iguais, monocromáticos como as massinhas que se misturam. Monoculturais como os sapiens que incorporaram ou eliminaram os demais hominídeos ou, os romanos que, o mesmo, fizeram com as demais culturas que conquistaram e dominaram.
Desafio paradoxal de reconhecer a outra pessoa, aprender e modificar-se com ela e seguir com as próprias pernas, que já são também pernas dela, mas mantém cores, tonalidades e textura próprias e passos apropriados aos peculiares caminhos a serem percorridos.
Sempre se coloca presente a busca por uma educação que enfrente o desafio de enunciar uma verdade sem limitar o enunciado de outras verdades e sem abafar a busca das verdades pelas outras pessoas. Educação que ensina, mas, que acima de tudo, propicia aprendizados idiossincráticos.
Educação que incentiva iniciativa e criatividade, autonomia e autogestão e supera o falso dilema “regras x indisciplina” enunciando “é proibido proibir!” como uma forma de dizer, “pelo menos uma regra será necessária”. Regras que definam limites, mas abram espaços ao seu questionamento e redefinição. Educação que apresenta objetivos, metas e método, referenciados em valores (do tipo: participação, diálogo, solidariedade, cooperação), mas os reconhece também como contextualizados e datados historicamente e passíveis de serem questionados.
Objetivos e valores, metas e método, normas e regras que podem ser vistas como limitadoras de mudanças e transformações. Por exemplo, é visível o desgaste das formas instituídas de fazer política e tomar decisões sobre a vida em comum nas sociedades contemporâneas. É visível a necessidade de transformações profundas em nossa forma de ser e estar em sociedades neste Planeta e nos Estados-Nação, a forma hegemônica de organização dos humanos na modernidade. Se o desejo e a necessidade de modificar as formas instituídas de fazer política, passa por dentro das instituições que se quer superar, como fazê-lo? Será que os representantes eleitos, que recebem a incumbência de decidir pelas mudanças, vão querer alterar os limites, as regras, que lhes deram poder?
Ou seria melhor explodir o legislativo, o executivo e o judiciário e os representantes ali empossados? Seria uma solução mais efetiva? Algumas pessoas tentaram realizá-la em 08/01/2023 no Brasil. Se tivessem sido bem-sucedidas, hoje teríamos uma forma melhor para tomar decisões sobre a vida em sociedade? Quem teria o