{"title":"码头。一,马克。桑托andre (SP): sabao街,2023年。","authors":"Ana Maria Haddad Baptista","doi":"10.5585/eccos.n66.25161","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Ao atravessarmos a leitura de um livro com a responsabilidade de \"apresentá-lo\" a um público, diversos são os caminhos para que isso aconteça. Podemos, como se sabe, isolar o livro como se o autor não tivesse outros. Ou, até, escaparmos de contextualizações. Mas no caso de um livro cujo autor é da envergadura d Marco Lucchesi, tal procedimento seria, no mínimo, desonesto. Ou uma postura que iria contra qualquer princípio de sensibilidade. Reforçaríamos, ainda mais, a fúria irônica de Sartre: \"É preciso lembrar que a maioria dos críticos são homens que não tiveram muita sorte na vida (...) O crítico vive mal; sua mulher não o aprecia como seria de se desejar, seus filhos são ingratos, os fins de mês são difíceis\" [1]. Sejamos justos e lúcidos. Marco Lucchesi, já faz bons anos, destaca-se no cenário nacional e internacional por um percurso literário e profissional, digno de ser comentado se pensarmos em um escritor que, de fato, desde sempre se dedicou à literatura. Na prática, a difundi-la pelos mais variados meios. O escritor brasileiro que pertence à ABL desde seus quarenta e sete anos e, posteriormente, a presidiu durante quatro anos. Atualmente, preside a Fundação Biblioteca Nacional. Jamais deixou de lado traduções de autores, contemporâneos e clássicos, de todos os cantos do mundo. Diga-se de passagem, que Marco Lucchesi domina mais de vinte idiomas. O poeta frequenta Babel desde criança. Com isso sobe e desce suas escadas com a serenidade e agilidade dos grandes sábios. Sem esnobismos. Com a mesma naturalidade do desabrochar espontâneo de um lírio da paz numa manhã que pouco promete. Por que omitir que Marco Lucchesi criou uma língua própria? Ou seja, a língua Laputar. Recentemente publicada em sua terceira edição juntamente com a quarta edição de Hinos Matemáticos. Uma obra do poeta em que conceitualmente (o enfoque não é pedagógico) coloca em evidência a beleza da matemática e conduz, uma vez mais, a relações entre ela e a poesia. Paisagem Lunar, em sua segunda edição, é um verdadeiro tratado filosófico que reúne sínteses epistemológicas, sob a forma, inclusive, de aforismos, em que nos leva a refletir, uma vez mais, os delicados liames que entrelaçam literatura e filosofia. Em Domínios da Insônia a reunião da maior parte de poemas do autor, que por sua vez, dialogam com fontes contemporâneas e clássicas quase inimagináveis, assim como o habitual diálogo do poeta com inúmeras fontes artísticas, filosóficas e científicas. Quando Anna Luiza Cardoso, numa entrevista a Marco Lucchesi, lhe pergunta qual face literária predominava em seu conjunto de obras, responde: \"Creio que todas se articulam de modo prismático. Um jogo de espelhos em que as partes se convocam e se entrelaçam. Mas a poesia é o lugar do encontro. O coro de vozes. O começo do processo, o sentimento do mundo e suas intensas ressonâncias. A poesia em tudo. Mesmo quando em outro gênero literário ou endereço. As fronteiras caíram. A busca do silêncio e da profundidade me leva a ruídos e superfícies\" [2]. Ecos...\"Tiro do chão aromas do silêncio. Mas é preciso cultivá-los\" [3]. Convém lembrar que Marco Lucchesi não foi nomeado, em janeiro de 2023, pelos altos escalões governamentais, para presidir um dos mais importantes espaços de memória do cenário mundial, por um simples capricho ou um acaso. O autor, na teoria e na prática, sempre esteve presente em bibliotecas. Haja vista, somente para ficarmos com um exemplo, seu romance O Bibliotecário do Imperador. Na prática, sempre foi uma constante e invariável em sua trajetória de vida, atuar em projetos sociais e culturais visando distribuição de livros, formação de bibliotecas nos mais variados espaços. Isto é, escolas, comunidades nacionais (das mais próximas às mais distantes). A geografia das articulações de distribuição de livros do autor não conhece limites. Fronteiras. Inclui, inclusive, a Antártica. Como disse, em seu discurso, a ministra do supremo Rosa Weber, ao visitar, recentemente a Biblioteca Nacional: \"No ano em que se registra um século da morte de Rui Barbosa, e a partir do legado deixado por este brasileiro invulgar, de múltiplos talentos, notável jurista, jornalista e político, temos a oportunidade de refletir sobre a construção de nosso país no preparar do futuro que se desenha hoje. E olhar para o passado é olhar para a nossa história, nossa cultura, nossa memória. Rui, a exemplo do poeta Marco Lucchesi, atual presidente da Biblioteca Nacional, também foi um imortal (...) A partir do exemplo e trajetória desses dois extraordinários brasileiros o passado e o presente se encontram no dia de hoje enquanto história e celebram a reverência à arte, à literatura, à poesia e à estética deste Brasil multicultural, que se forja a partir da diversidade étnica e plural das suas formas, das suas cores e da essência de sua gente, em tudo o que nos diz respeito [4] \". Em síntese: optamos, neste texto, por situar Marina no conjunto de obras do autor. Localizá-la, à medida do possível, no contexto atual. Ouçamos Marco Lucchesi: \"Mais do que cem páginas perdeu o livro. Queria que as cartas falassem por si mesmas. Guardado, ou esquecido, o manuscrito, dentro de dois arquivos de papel: com recortes de jornal, fotos e postais. Anos (e páginas) depois, a trama da linguagem e a estrutura mudaram a ideia original. Passou de romance a novela\" [5]. Uma das primeiras reflexões a que nos submete Marina é, em grande parte, o conceito de novela e romance. Apesar de sabermos que as tipologias não deveriam entrar dentro de um sistema rígido classificatório, elas são didática e conceitualmente importantes. Na verdade, o próprio autor já nos define o que é uma novela. No entanto, levanta, queiramos ou não, questões ligadas a ela. Gênero, sabe-se, que teve grande repercussão na Itália e na França. Ouçamos Marco Lucchesi, no prefácio intitulado, Dez novelas, um poeta, do livro organizado por ele, As dez melhores histórias do Decamerão: \"O Decamerão de Boccaccio é aquele capítulo essencial da História do Ocidente. E me refiro ao núcleo do Humanismo, aos prelúdios do Renascimento. Trata-se da reconquista da prosa, a narrativa do mundo e sua translação, em torno da palavra\"[6]. Vale lembrar que Erich Auerbach também nos oferece uma verdadeira estética da novela ao indicar historicamente um belo percurso do gênero. Novela, nos leva, inclusive, à radionovela, fotonovela, telenovela. Gêneros importantes que indicam aproximações e derivações para uma riquíssima discussão sobre o assunto. Gêneros que tiveram grande importância, inclusive, para a Psicologia, Sociologia e a História. Todavia, imprescindível lembrar que: \"A História não se repete, não tem sósias, nem se dispõe a um eterno retorno, projetada em dimensões binárias. A História não guarda tesouros latentes à espera de um resgate unívoco\" [7]. Uma novela? Em pleno século XXI? O que leva o autor a escrever uma novela? Uma das respostas é clara. Ouçamos Ciprian Valcăn: \"Marco Lucchesi é um espírito da categoria dos hereges. Vem guerreando contra as fórmulas ideológicas sempre prontas a engoli-lo, recusando teimosamente suas intenções totalizadoras, sua fé irracional em terem descoberto a verdade última, verdade essa capaz de pôr fim à história. Ele tem procurado sempre ser desatual, ou seja, manter-se à distância dos caprichos e da tirania da moda, pensar com perseverança à sua própria maneira, sem que os aplausos ou as vaias da plateia influenciem de alguma maneira as suas preocupações\" [8]. Nessa medida, Lucchesi continua \"à distância dos caprichos e da tirania da moda\", isto é, Marina é uma novela epistolar! Ouçamos o poeta, \"A correspondência entre Marina e Celso remonta à década de 1990. Interrompida, não sei por qual motivo, foi retomada anos depois. Poética da dissonância. Encontro e dispersão. Talvez amor, que em toda a parte está, mas não se encontra em parte alguma. Amor, que morre ao traduzir-se e quando morre, se traduz\" [9]. Temos mais uma indagação cabível: O que é uma carta? \"...cartas abrem um espaço descontínuo, onde se abrigam os luzeiros da palavra num atlas celeste. Pequena aurora dos filósofos\" [10]. Entre uma carta e outra a descontinuidade de um diálogo. Talvez a espera. Ecos distantes de Marguerite Yourcenar\"...entre mim e esses atos de que sou feito, existe um hiato indefinível\"[11]. E quando uma resposta chega...o diálogo recomeça. Mas, sobretudo, quando \"aurora dos filósofos\" por que não pensarmos, por exemplo Foucault, no que aponta em termos de uma hermenêutica do sujeito em que as cartas entre os filósofos antigos, inclusive, eram fundamentais? Sabe-se: as cartas estabeleciam um exercício para se pensar sobre si! E entre os filósofos mais antigos esclarecer quem estaria mais avançado em busca das virtudes simultaneamente a uma recordação das verdades entre destinatário e remetente. A famosa e a eterna chama que clama a busca da verdade para a vida. Em outras palavras: as cartas possuem uma história em que no contexto contemporâneo, cada vez mais, ficam distantes e sem memória. Portanto, Marina, sob nossa perspectiva, abre um espaço distinto e precioso em que e-mails e outras mídias parecem reinar em tempos, talvez, nunca tão desmemoriados. Mas já que estamos nas camadas do amor, como não lembrar das cartas de Abelardo e Heloísa? Como esquecer a famosa carta de Madalena a Paulo Honório, em São Bernardo, cuja leitura parcial por estar aos pedaços, faltando uma página, levou o ciumento a um arrependimento que jamais foi finalizado? \"Sobre a banca de Madalena estava o envelope de que ela me havia falado. Abri-o. Era uma carta extensa em que se despedia de mim. Lia-o, saltando pedaços e naturalmente compreendendo pela metade, porque topava a cada passo aqueles palavrões que a minha ignorância evita. Faltava uma página: exatamente a que eu trazia na carteira, entre faturas de cimento e orações contra maleitas que a Rosa anos atrás me havia oferecido\"[12] . E as cartas entre os próprios escritores durante séculos e séculos? Lucchesi: \"Preciso do outro para alcançar-me\" [13]. Sim. \"Atlas celeste\". Sim. 9/12/90 O sagitário, seu símbolo, diletíssimo Marco, exprime o nexo entre a terra e a poesia-céu. A violenta tensão do impulso do arco é um movimento intenso e perigoso. Dividir a tensão entre os extremos seria talvez salutar. Mas se o fascínio da poesia-céu é irresistível, a distensão será inevitável. Aceite seu belo destino. Grande beijo, Nise [14] Querido Marco. A beleza e a substância do seu extraordinário texto de apresentação de meu 'O Universo da Cor' me fez levitar acima dos demais mortais. Quando eu baixar à terra talvez tenha condi- ção de comentá-lo. Com toda a emoção de Jamile, o grande abraço re- conhecido, do seu Israel. Niterói, 9-6-2003 [15] Marina é uma novela-epistolar-prosa-poética que indica o quanto a literatura, cuja morte é frequentemente anunciada, se mantém soberana, acima dos supostos determinismos – em grande parte pessimistas – contextuais, quando em mãos de um autor, que jamais decretou o seu fim, de envergadura. A começar da estrutura intrínseca à novela. São 39 cartas... sob alguns ecos de Hermann Broch: [16] \"desdobrando o tempo até a intemporalidade, de tal modo que ele, ao consumir qualquer duração, com crescente realidade, abre e transpõe fronteira após fronteira, a mais interior e a mais exterior\". Cada uma delas possui uma síntese. Quase uma ementa do que virá depois: \"Preservação das tartarugas. Sobre a importância de polir as lentes. Leitura e previsão do horóscopo. Metáfora do corpo em lua cheia\"[17]. E a partir da síntese a carta propriamente dita. Altíssima e fascinante tensão leva o leitor à leitura da próxima. Os silêncios e lacunas consagram a estética de Lucchesi. Entretanto, desesperam o leitor em busca da continuidade de \"...um dos mais belos livros de amor, um moderno Cântico dos cânticos, em que o divino se revela através do humano. Além de se inspirar no amor entre um homem e uma mulher, Marina vai invocando o amor mútuo entre poeta e palavra. Amor escrito nas cartas de Celso a Marina, a um sentimento antigo, adolescente, que renasce dentro do novo coração de um novo homem\" [18]. A tensão não tem limites. O leitor desprevenido talvez não note que a carta 12 dá um salto de descontinuidade à 14. Marco Lucchesi, tal qual Borges, entrelaça verdadeiras armadilhas para os leitores. Nada é gratuito na literatura do autor. Onde estaria a carta de número 13? Foi jogada? Foi despedaçada? Foi perdida? Qual seria, sempre fica uma indagação misteriosa, o motivo? Sabe-se que treze, para muitas culturas, significa um número que indica mau presságio. Uma leitura possível, para a inexistência da carta 13, seria o conteúdo da carta 14: \"Uma brecha nos muros, finalmente. Palavras desarmadas, sem apelo. Para onde me levas, densa noite? Clarão de negro sol não passa nunca. Fosse bastante pronunciar a noite. É preciso enfrentar a travessia. Como arrancar a pedra da loucura? Fomos arremessados para longe, levados pela força do destino. Talvez adivinhasse a despedida. Encontro-me num campo de ruínas. Preciso dos raios de sol. Como era mesmo a ópera de Mozart? \" [19]. Talvez: \"Destino acima do destino\" [20].Tudo indica, para não incorrermos numa leitura arriscada demais e nos ardis de uma superinterpretação, como diria Eco, e sem referentes, que há uma situação de perigo. Tanto interno quanto externo. Na 12 e na 14. Enfim, a carta 13 inexiste. Quando o leitor, avidamente, busca o desfecho da história de amor, surge, grande surpresa: uma carta de Marina. A carta de número 32. \"A casa da praia foi demolida?! Era tão bela e eu te imaginava lá dentro. Linda casa, lindo lugar, linda praia! E a vista da janela era impagável! (...) Não me esqueci de nada, da paisagem deslumbrante e das pessoas que marcaram a minha vida. Espero voltar algum dia. Nada será como antes, é claro. Mas resta sempre descobrir quem somos\" [21]. Quando se conhece o conjunto de obras de um autor, impossível não ouvir alguns ressoares: \"A casa da rua dos Ipês foi derrubada. E brilha, todavia, enquanto é noite. Não me faltam constelações da memória. Faz escuro, mas a manhã não demora, tão jovem ainda. As ondas seguem seu ofício. Brilha o Sol na rua dos tempos idos. A praia me pertence. E a cada grão de areia, um mundo novo. Flutua a ideia de infinito junto ao mar \" [22]. A carta de Marina cria a expectativa de que virão outras da mesma remetente. Mas Lucchesi não concede. Temos acesso somente a uma única carta dela. Isso, seguramente, aguça os nossos sentidos e eleva a tensão do livro. O desfecho final da fascinante história de amor é incrivelmente surpreendente. E isso acontece na carta 39, ou seja, a última: \"Eu mergulhei num tempo inabordável. Achados e perdido. A luz feroz do encontro que não houve. Uma promessa aberta, inconclusa. Inquieta obsessão, a despedir-se de teus olhos, que me roubaram deste chão de iniquidades. Crisântemos esparsos. A missa em dó menor. Marina, como Inês, é morta. Escrevo todas as cartas para ressuscitá-la. Ou para morremos juntos. E para juntos recuperarmos a herança imprecisa do futuro. Mundo sem Deus. Com esplêndido futuro luminoso. Vinte anos se passaram, cobertos de silêncio. Um corpo que se agrega à selva dos fenômenos. Deu-se por fim a glória de um destino. As aves migratórias são inquietas\" [23]. Sim. Desfecho imprevisível: Celso escreve para uma mulher que já está morta. Ponto alto do livro porque a morte é a consciência fatal e irreversível da finitude. E a imprevisibilidade do desfecho se sobrepõe, ou, intercala-se, se justapõe, queiramos ou não, à leitura que havíamos feito do livro. A morte de Marina muda a primeira leitura. O autor nos leva a reler todas as cartas sob outra perspectiva. Os leitores não têm escapatória. Não percamos de vista as palavras do autor na carta de número 0...\"No escuro e no silêncio, as cartas ardilosas não desistem do eterno retorno da leitura\" [24]. De fundo, novamente, os ressoares de Broch: \"O nada nunca alcançável, a morte fecunda/A que apenas o acaso é semelhante?/ Toda a lei se transforma em acaso, na queda do abismo,/E também tu, ó destino, te tornas acaso, para o acaso/ Subitamente para o crescimento e os ramos do conhecimento/ rebento a nascer do rebento, desintegram-se de súbito/ em destruída linguagem, isolado em objeto,/isolados na palavra, desfeita a ordem, desfeitas a verdade, a comunhão e a unidade\" [25]. Mas Lucchesi tem uma boa resposta: \"A linha de uma vida é complexa. Não há um modo retilíneo, irreversível, contra um conjunto de incerteza e digressão. O mundo é uma teia emaranhada. Nossos passos traduzem o devir. Nenhum fato é isolado. Tudo é sistema\" [26]. Diante do exposto segue-se uma questão importante! A quais ritmos somos levados pelos ardis arquitetônicos labirínticos de Marina ? Os ritmos da obra são predominantemente oscilantes. Deliciosamente oscilantes porque, entre outros fatores, os sons de fundo, em grande parte determinam o ritmo. Nessa medida, acompanhamos, entre idas e vindas, quase bamboleantes, \"baleias, bicicletas, corpo feminino em fuga, frios temporais do Atlântico, atravessar a maresia, nademos juntos, não para de chover, ando nas rochas, o vento move as árvores, mar despenteado, terremoto, Mozart, um piano sobrenada na memória, piano voador, selva selvagem que sibila ao vento\" e mais centenas de imagens expressivas que dão um tom incrível ao movimento. Ao ritmo do livro. Um ritmo em que as pausas, lacunas e os silêncios predominam. Afoga-se, com isso, a leitura literal. Recua. Silenciosamente. E quando, nós leitores, voltamos à superfície, percebemos que nossos próprios relógios entraram em colapso. O tempo cronológico destoa, descaradamente, de nossos relógios internos. Silêncios, pausas e lacunas dão um aroma muito especial à ausência em si mesma que exige do leitor: imaginação, fantasia, criatividade. Um processo muito presente nos instantes privilegiados que quando escapam, impossível retornar a eles. Por definição como o tempo. Irreversíveis. A densidade poética possui ápices que não podem ficar omitidos. Porque, Marina, os relógios não morrem. Não se dissipa um grão de areia, nem mesmo a gota de suor no rosto perolado. A eternidade aclara a contingência. Ronronam os gatos de outrora. E meus diletos cães põem-se a latir. Poço infinito. Abismo raso. [27] Densidade poética em continuidade + sutilíssima curvatura erótica + \"Eros: quando promete ao chegar, desmente ao partir\" [28]. E assim [29]: Carta de amor (desesperado) que rasguei: \"...pousa nos lábios uma estrela...secreta harmonia...deserto amanhecer...teu corpo inelutável...lagoa iluminada e seios úmidos...bosque sutil...pequena morte...jogo de espelhos e palavras...seu rosto desenhado no meu peito...à mesa um copo de absinto...duas palavras e voltamos a dormir...infame precipício...\" Num ressoar distante...muito distante...Yu Xuanji [30]... Carta a um amigo Vastas, inquietas, as ruas sem bons amigos Passam-se os dias, envergo o melhor vestido Frágil no espelho é meu rosto, os soltos cabelos Cobre-me em bruma leve o perfume do incenso É primavera, o desejo encontra-me agora Vejo-me à imagem de ilustres divas de outrora À porta jovens ditosos param seus carros Vergam salgueiros: à hora, flores se abrem. Marco Lucchesi é um escritor, sabidamente, como exposto no início deste texto, e como \"comprovam\" suas obras, cuja literatura dialoga com as mais diversas fontes de outros saberes, nunca é demais lembrar, conceitualmente. Ou seja, tem propriedade profunda em relação aos seus referenciais que são se prestam a meras epígrafes com pretensos aromas de erudição (elementos em alta nos dias de hoje entre os famosos representantes da 'tudologia'). As múltiplas perspectivas de tempo em Marina, oceanicamente , \"flutuam num domínio atemporal\"[31], como já colocado, anteriormente, inclusive, na esteira de Broch. Questões de temporalidade cuja concretude se apresentam como sínteses epistemológicas, que mais direta ou indiretamente, se fazem presentes nas obras de Lucchesi. Nessa medida, reforçando o quanto a sua literatura atravessa a filosofia dispersando fronteiras rígidas. Sob ecos mais explícitos, entre muitos outros diretamente ligados à filosofia, de Parmênides e Emanuele Severino, a marcação temporal de Marina nos mostra o quanto o tempo é uma consubstancialização do pensamento, como definiria Jankélévitch. O que é o tempo? \"Um corpo em fuga\". O tempo seria \"um espaço descontínuo\"? Em que medida estamos imersos na \"jaula do presente\" ? O que é duração em termos de Bergson? \"Uma viagem de dez metros levou décadas\". \"Eis, em resumo, os últimos vinte, ou duzentos, anos\". \"O que são vinte anos no tempo geológico? Não passam de um minuto. Gota no mar, um quase nada, fogo-fátuo\". Cronologias? \"Passaram-se vinte anos e dois gatos desde a última carta. Perdi a conta dos relógios que morreram\". \"Presa da escuridão, o dia amanhece\". Eternidade? \"Meio-dia\". \"O agora é um índice de eternidade\". Tempo cíclico? \"retorno da leitura\". \"Retorno do eterno retorno\". Para não ser mais uma vítima de Sartre, não devemos cair, entre outros fatores que abreviam nosso espaço, nas sutis armadilhas da exaustão quando nos propomos a apresentar um livro. Contudo, não podemos deixar de lado o quanto Marco Lucchesi, enquanto grande escritor que é, vai ao encontro, em grande parte, da cosmologia de Peirce. Talvez, uma das mais abrangentes em termos de contemporaneidade. Que ao menos responde, mesmo de forma provisória, algumas insuficiências conceituais a que estamos, miseravelmente, submetidos. A filosofia de Peirce coloca a questão da verdade de forma, talvez, satisfatória. Ou seja, não existem verdades definitivas. Existiria sim, um mundo, ao que tudo indica, que caminha para ela. Lembremos que em Marina a todo momento Marco Lucchesi, nos faz refletir a tal respeito. Lucchesi coloca indagações que não são respondidas. Joga-as para que seu leitor reflita juntamente com ele. Na cosmologia de Peirce sujeito e objeto estão juntos. Acredita ele, de forma severamente fundamentada, este grande estudioso de Kant, Schelling e Schiller – naturalmente entre outros – que existe uma atemporalidade entre sujeito e objeto que os faz ficar em perfeita simetria. Existiria uma descontinuidade temporal em que passado e futuro desaparecem. Tal descontinuidade se daria entre o interno e o externo. Nessa medida, rompe-se o tempo objetivo, assim como na subjetividade existiria um hiato de temporalidade na própria consciência e que, por incrível que pareça, ficaria isolado da experiência de alteridade do mundo. Enfim, pura qualidade na unidade. O agora como pura presentidade. Sob tal perspectiva, Marina se mostra como um exemplo fascinante do denominado continuum de possibilidades. Portanto, sentimento de liberdade indefinida e infinita que somente poderá ocorrer sob o domínio de um hiato interior de temporalidade. Em Marina, assim nos parece, dissolvem-se, conceitualmente, as famosas dicotomias entre subjetividade e objetividade. Ouçamos Lucchesi: \"Sujeito e objeto não se sustentam numa oposição dramática. Uma incursão de subjetividades, a descoberta especular de um conteúdo crescente, de um contínuo insolúvel, que os afasta e os aproxima\" [32]. Para a leitura de um livro como Marina e das verdadeiras obras artísticas em geral, por lembrar veementemente de Ivo Assad Ibri , não basta um olhar apenas referencial. Requer-se, e isso não está disponível em todas as almas, um certo estado poético. Graus de sensibilidade estética. Cremos que somente desta forma poderemos, de fato, atravessar sentidos mais profundos e agudos daquilo ao qual nos dispusemos a compreender. S. 1 Não esquecer as mãos sujas de Sartre e os sem-culpa (Schuldlosen) de Broch. [33] S. 2 [Tosse, 2020 Não tenho febre. Olho de longe as pedras de Itacoatiara. Deito-me no chão e olho o azul do céu. A passagem das nuvens me fascina desde a infância. Como se um deus legislasse o azul. Uma tosse de leve. Páginas de Boccacio.] [34] [1] Sartre, Jean-Paul. O que é a literatura?. Tradução de Carlos Felipe Moisés. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. p. 32. [2] Lucchesi, Marco. Poeta do Diálogo. São Paulo: Tesseractum/ Fundarte, 2022. p. 139. [3] Lucchesi, Marco. Marina. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023. p. 26. [4] https://portal.sft.jus.br/.noticias/. [5] Marina. p. 13. [6] Lucchesi, Marco: organização e apresentação. As dez melhores histórias do Decamerão/Giovanni Boccaccio. Tradução de Raul de Polillo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021. p. 7. [7] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. São Paulo: Tesseractum, 2023. p. 73. [8] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. In prefácio. p. 7. [9] Idem, Marina, p. 13. [10] Idem. [11] Yourcenar, Marguerite. Memórias de Adriano. Tradução de Martha Calderaro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. p. 36. [12] Ramos, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 78. [13] Marco Lucchesi. Carteiro Imaterial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. p. 16. [14] Silveira, Nise da. Viagem a Florença: carta de Nise da Silveira a Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. p. 29. [15] À sombra da amizade: cartas de Israel Pedrosa a Marco Lucchesi. Niterói: Eduff, 2021. p. 105. [16] Broch, Hermann. A Morte de Virgílio. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Lisboa: Relógio D'Água, 2014. p. 101. [17] Lucchesi, Marco. Marina. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023. p. 31. [18] Miranda, Ana. In Posfácio Marina, p. 101. [19] Marina, p.45. [20] Lucchesi, Marco. In: Prefácio da obra Doutor Jivago de Boris Pasternak. Tradução de Zoia Prestes. Rio de Janeiro: BestBolso, 2014. p. 12. [21] Marina, p. 81. [22] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. São Paulo: Tesseractum Editorial, 2023. p. 157. [23] Marina, p. 95. [24] Marina, p. 15. [25] Broch, Hermann, p. 160. [26] Marina, p. 27. [27] Idem, p. 96. [28] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. p. 60. [29] Idem, p. 86. [30] Xuanji, Yu [844-869]. Poesia Completa. Tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao. São Paulo: UNESP, 2011. p.119. [31] Marina, p. 49. [32] Paisagem Lunar, p. 76. [33] Paisagem Lunar, p. 233. [34] Lucchesi, Marco. Adeus, Pirandello. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2022. p. 64.","PeriodicalId":41824,"journal":{"name":"Eccos-Revista Cientifica","volume":"49 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.1000,"publicationDate":"2023-09-19","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":"{\"title\":\"Marina. Lucchesi, Marco. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023.\",\"authors\":\"Ana Maria Haddad Baptista\",\"doi\":\"10.5585/eccos.n66.25161\",\"DOIUrl\":null,\"url\":null,\"abstract\":\"Ao atravessarmos a leitura de um livro com a responsabilidade de \\\"apresentá-lo\\\" a um público, diversos são os caminhos para que isso aconteça. Podemos, como se sabe, isolar o livro como se o autor não tivesse outros. Ou, até, escaparmos de contextualizações. Mas no caso de um livro cujo autor é da envergadura d Marco Lucchesi, tal procedimento seria, no mínimo, desonesto. Ou uma postura que iria contra qualquer princípio de sensibilidade. Reforçaríamos, ainda mais, a fúria irônica de Sartre: \\\"É preciso lembrar que a maioria dos críticos são homens que não tiveram muita sorte na vida (...) O crítico vive mal; sua mulher não o aprecia como seria de se desejar, seus filhos são ingratos, os fins de mês são difíceis\\\" [1]. Sejamos justos e lúcidos. Marco Lucchesi, já faz bons anos, destaca-se no cenário nacional e internacional por um percurso literário e profissional, digno de ser comentado se pensarmos em um escritor que, de fato, desde sempre se dedicou à literatura. Na prática, a difundi-la pelos mais variados meios. O escritor brasileiro que pertence à ABL desde seus quarenta e sete anos e, posteriormente, a presidiu durante quatro anos. Atualmente, preside a Fundação Biblioteca Nacional. Jamais deixou de lado traduções de autores, contemporâneos e clássicos, de todos os cantos do mundo. Diga-se de passagem, que Marco Lucchesi domina mais de vinte idiomas. O poeta frequenta Babel desde criança. Com isso sobe e desce suas escadas com a serenidade e agilidade dos grandes sábios. Sem esnobismos. Com a mesma naturalidade do desabrochar espontâneo de um lírio da paz numa manhã que pouco promete. Por que omitir que Marco Lucchesi criou uma língua própria? Ou seja, a língua Laputar. Recentemente publicada em sua terceira edição juntamente com a quarta edição de Hinos Matemáticos. Uma obra do poeta em que conceitualmente (o enfoque não é pedagógico) coloca em evidência a beleza da matemática e conduz, uma vez mais, a relações entre ela e a poesia. Paisagem Lunar, em sua segunda edição, é um verdadeiro tratado filosófico que reúne sínteses epistemológicas, sob a forma, inclusive, de aforismos, em que nos leva a refletir, uma vez mais, os delicados liames que entrelaçam literatura e filosofia. Em Domínios da Insônia a reunião da maior parte de poemas do autor, que por sua vez, dialogam com fontes contemporâneas e clássicas quase inimagináveis, assim como o habitual diálogo do poeta com inúmeras fontes artísticas, filosóficas e científicas. Quando Anna Luiza Cardoso, numa entrevista a Marco Lucchesi, lhe pergunta qual face literária predominava em seu conjunto de obras, responde: \\\"Creio que todas se articulam de modo prismático. Um jogo de espelhos em que as partes se convocam e se entrelaçam. Mas a poesia é o lugar do encontro. O coro de vozes. O começo do processo, o sentimento do mundo e suas intensas ressonâncias. A poesia em tudo. Mesmo quando em outro gênero literário ou endereço. As fronteiras caíram. A busca do silêncio e da profundidade me leva a ruídos e superfícies\\\" [2]. Ecos...\\\"Tiro do chão aromas do silêncio. Mas é preciso cultivá-los\\\" [3]. Convém lembrar que Marco Lucchesi não foi nomeado, em janeiro de 2023, pelos altos escalões governamentais, para presidir um dos mais importantes espaços de memória do cenário mundial, por um simples capricho ou um acaso. O autor, na teoria e na prática, sempre esteve presente em bibliotecas. Haja vista, somente para ficarmos com um exemplo, seu romance O Bibliotecário do Imperador. Na prática, sempre foi uma constante e invariável em sua trajetória de vida, atuar em projetos sociais e culturais visando distribuição de livros, formação de bibliotecas nos mais variados espaços. Isto é, escolas, comunidades nacionais (das mais próximas às mais distantes). A geografia das articulações de distribuição de livros do autor não conhece limites. Fronteiras. Inclui, inclusive, a Antártica. Como disse, em seu discurso, a ministra do supremo Rosa Weber, ao visitar, recentemente a Biblioteca Nacional: \\\"No ano em que se registra um século da morte de Rui Barbosa, e a partir do legado deixado por este brasileiro invulgar, de múltiplos talentos, notável jurista, jornalista e político, temos a oportunidade de refletir sobre a construção de nosso país no preparar do futuro que se desenha hoje. E olhar para o passado é olhar para a nossa história, nossa cultura, nossa memória. Rui, a exemplo do poeta Marco Lucchesi, atual presidente da Biblioteca Nacional, também foi um imortal (...) A partir do exemplo e trajetória desses dois extraordinários brasileiros o passado e o presente se encontram no dia de hoje enquanto história e celebram a reverência à arte, à literatura, à poesia e à estética deste Brasil multicultural, que se forja a partir da diversidade étnica e plural das suas formas, das suas cores e da essência de sua gente, em tudo o que nos diz respeito [4] \\\". Em síntese: optamos, neste texto, por situar Marina no conjunto de obras do autor. Localizá-la, à medida do possível, no contexto atual. Ouçamos Marco Lucchesi: \\\"Mais do que cem páginas perdeu o livro. Queria que as cartas falassem por si mesmas. Guardado, ou esquecido, o manuscrito, dentro de dois arquivos de papel: com recortes de jornal, fotos e postais. Anos (e páginas) depois, a trama da linguagem e a estrutura mudaram a ideia original. Passou de romance a novela\\\" [5]. Uma das primeiras reflexões a que nos submete Marina é, em grande parte, o conceito de novela e romance. Apesar de sabermos que as tipologias não deveriam entrar dentro de um sistema rígido classificatório, elas são didática e conceitualmente importantes. Na verdade, o próprio autor já nos define o que é uma novela. No entanto, levanta, queiramos ou não, questões ligadas a ela. Gênero, sabe-se, que teve grande repercussão na Itália e na França. Ouçamos Marco Lucchesi, no prefácio intitulado, Dez novelas, um poeta, do livro organizado por ele, As dez melhores histórias do Decamerão: \\\"O Decamerão de Boccaccio é aquele capítulo essencial da História do Ocidente. E me refiro ao núcleo do Humanismo, aos prelúdios do Renascimento. Trata-se da reconquista da prosa, a narrativa do mundo e sua translação, em torno da palavra\\\"[6]. Vale lembrar que Erich Auerbach também nos oferece uma verdadeira estética da novela ao indicar historicamente um belo percurso do gênero. Novela, nos leva, inclusive, à radionovela, fotonovela, telenovela. Gêneros importantes que indicam aproximações e derivações para uma riquíssima discussão sobre o assunto. Gêneros que tiveram grande importância, inclusive, para a Psicologia, Sociologia e a História. Todavia, imprescindível lembrar que: \\\"A História não se repete, não tem sósias, nem se dispõe a um eterno retorno, projetada em dimensões binárias. A História não guarda tesouros latentes à espera de um resgate unívoco\\\" [7]. Uma novela? Em pleno século XXI? O que leva o autor a escrever uma novela? Uma das respostas é clara. Ouçamos Ciprian Valcăn: \\\"Marco Lucchesi é um espírito da categoria dos hereges. Vem guerreando contra as fórmulas ideológicas sempre prontas a engoli-lo, recusando teimosamente suas intenções totalizadoras, sua fé irracional em terem descoberto a verdade última, verdade essa capaz de pôr fim à história. Ele tem procurado sempre ser desatual, ou seja, manter-se à distância dos caprichos e da tirania da moda, pensar com perseverança à sua própria maneira, sem que os aplausos ou as vaias da plateia influenciem de alguma maneira as suas preocupações\\\" [8]. Nessa medida, Lucchesi continua \\\"à distância dos caprichos e da tirania da moda\\\", isto é, Marina é uma novela epistolar! Ouçamos o poeta, \\\"A correspondência entre Marina e Celso remonta à década de 1990. Interrompida, não sei por qual motivo, foi retomada anos depois. Poética da dissonância. Encontro e dispersão. Talvez amor, que em toda a parte está, mas não se encontra em parte alguma. Amor, que morre ao traduzir-se e quando morre, se traduz\\\" [9]. Temos mais uma indagação cabível: O que é uma carta? \\\"...cartas abrem um espaço descontínuo, onde se abrigam os luzeiros da palavra num atlas celeste. Pequena aurora dos filósofos\\\" [10]. Entre uma carta e outra a descontinuidade de um diálogo. Talvez a espera. Ecos distantes de Marguerite Yourcenar\\\"...entre mim e esses atos de que sou feito, existe um hiato indefinível\\\"[11]. E quando uma resposta chega...o diálogo recomeça. Mas, sobretudo, quando \\\"aurora dos filósofos\\\" por que não pensarmos, por exemplo Foucault, no que aponta em termos de uma hermenêutica do sujeito em que as cartas entre os filósofos antigos, inclusive, eram fundamentais? Sabe-se: as cartas estabeleciam um exercício para se pensar sobre si! E entre os filósofos mais antigos esclarecer quem estaria mais avançado em busca das virtudes simultaneamente a uma recordação das verdades entre destinatário e remetente. A famosa e a eterna chama que clama a busca da verdade para a vida. Em outras palavras: as cartas possuem uma história em que no contexto contemporâneo, cada vez mais, ficam distantes e sem memória. Portanto, Marina, sob nossa perspectiva, abre um espaço distinto e precioso em que e-mails e outras mídias parecem reinar em tempos, talvez, nunca tão desmemoriados. Mas já que estamos nas camadas do amor, como não lembrar das cartas de Abelardo e Heloísa? Como esquecer a famosa carta de Madalena a Paulo Honório, em São Bernardo, cuja leitura parcial por estar aos pedaços, faltando uma página, levou o ciumento a um arrependimento que jamais foi finalizado? \\\"Sobre a banca de Madalena estava o envelope de que ela me havia falado. Abri-o. Era uma carta extensa em que se despedia de mim. Lia-o, saltando pedaços e naturalmente compreendendo pela metade, porque topava a cada passo aqueles palavrões que a minha ignorância evita. Faltava uma página: exatamente a que eu trazia na carteira, entre faturas de cimento e orações contra maleitas que a Rosa anos atrás me havia oferecido\\\"[12] . E as cartas entre os próprios escritores durante séculos e séculos? Lucchesi: \\\"Preciso do outro para alcançar-me\\\" [13]. Sim. \\\"Atlas celeste\\\". Sim. 9/12/90 O sagitário, seu símbolo, diletíssimo Marco, exprime o nexo entre a terra e a poesia-céu. A violenta tensão do impulso do arco é um movimento intenso e perigoso. Dividir a tensão entre os extremos seria talvez salutar. Mas se o fascínio da poesia-céu é irresistível, a distensão será inevitável. Aceite seu belo destino. Grande beijo, Nise [14] Querido Marco. A beleza e a substância do seu extraordinário texto de apresentação de meu 'O Universo da Cor' me fez levitar acima dos demais mortais. Quando eu baixar à terra talvez tenha condi- ção de comentá-lo. Com toda a emoção de Jamile, o grande abraço re- conhecido, do seu Israel. Niterói, 9-6-2003 [15] Marina é uma novela-epistolar-prosa-poética que indica o quanto a literatura, cuja morte é frequentemente anunciada, se mantém soberana, acima dos supostos determinismos – em grande parte pessimistas – contextuais, quando em mãos de um autor, que jamais decretou o seu fim, de envergadura. A começar da estrutura intrínseca à novela. São 39 cartas... sob alguns ecos de Hermann Broch: [16] \\\"desdobrando o tempo até a intemporalidade, de tal modo que ele, ao consumir qualquer duração, com crescente realidade, abre e transpõe fronteira após fronteira, a mais interior e a mais exterior\\\". Cada uma delas possui uma síntese. Quase uma ementa do que virá depois: \\\"Preservação das tartarugas. Sobre a importância de polir as lentes. Leitura e previsão do horóscopo. Metáfora do corpo em lua cheia\\\"[17]. E a partir da síntese a carta propriamente dita. Altíssima e fascinante tensão leva o leitor à leitura da próxima. Os silêncios e lacunas consagram a estética de Lucchesi. Entretanto, desesperam o leitor em busca da continuidade de \\\"...um dos mais belos livros de amor, um moderno Cântico dos cânticos, em que o divino se revela através do humano. Além de se inspirar no amor entre um homem e uma mulher, Marina vai invocando o amor mútuo entre poeta e palavra. Amor escrito nas cartas de Celso a Marina, a um sentimento antigo, adolescente, que renasce dentro do novo coração de um novo homem\\\" [18]. A tensão não tem limites. O leitor desprevenido talvez não note que a carta 12 dá um salto de descontinuidade à 14. Marco Lucchesi, tal qual Borges, entrelaça verdadeiras armadilhas para os leitores. Nada é gratuito na literatura do autor. Onde estaria a carta de número 13? Foi jogada? Foi despedaçada? Foi perdida? Qual seria, sempre fica uma indagação misteriosa, o motivo? Sabe-se que treze, para muitas culturas, significa um número que indica mau presságio. Uma leitura possível, para a inexistência da carta 13, seria o conteúdo da carta 14: \\\"Uma brecha nos muros, finalmente. Palavras desarmadas, sem apelo. Para onde me levas, densa noite? Clarão de negro sol não passa nunca. Fosse bastante pronunciar a noite. É preciso enfrentar a travessia. Como arrancar a pedra da loucura? Fomos arremessados para longe, levados pela força do destino. Talvez adivinhasse a despedida. Encontro-me num campo de ruínas. Preciso dos raios de sol. Como era mesmo a ópera de Mozart? \\\" [19]. Talvez: \\\"Destino acima do destino\\\" [20].Tudo indica, para não incorrermos numa leitura arriscada demais e nos ardis de uma superinterpretação, como diria Eco, e sem referentes, que há uma situação de perigo. Tanto interno quanto externo. Na 12 e na 14. Enfim, a carta 13 inexiste. Quando o leitor, avidamente, busca o desfecho da história de amor, surge, grande surpresa: uma carta de Marina. A carta de número 32. \\\"A casa da praia foi demolida?! Era tão bela e eu te imaginava lá dentro. Linda casa, lindo lugar, linda praia! E a vista da janela era impagável! (...) Não me esqueci de nada, da paisagem deslumbrante e das pessoas que marcaram a minha vida. Espero voltar algum dia. Nada será como antes, é claro. Mas resta sempre descobrir quem somos\\\" [21]. Quando se conhece o conjunto de obras de um autor, impossível não ouvir alguns ressoares: \\\"A casa da rua dos Ipês foi derrubada. E brilha, todavia, enquanto é noite. Não me faltam constelações da memória. Faz escuro, mas a manhã não demora, tão jovem ainda. As ondas seguem seu ofício. Brilha o Sol na rua dos tempos idos. A praia me pertence. E a cada grão de areia, um mundo novo. Flutua a ideia de infinito junto ao mar \\\" [22]. A carta de Marina cria a expectativa de que virão outras da mesma remetente. Mas Lucchesi não concede. Temos acesso somente a uma única carta dela. Isso, seguramente, aguça os nossos sentidos e eleva a tensão do livro. O desfecho final da fascinante história de amor é incrivelmente surpreendente. E isso acontece na carta 39, ou seja, a última: \\\"Eu mergulhei num tempo inabordável. Achados e perdido. A luz feroz do encontro que não houve. Uma promessa aberta, inconclusa. Inquieta obsessão, a despedir-se de teus olhos, que me roubaram deste chão de iniquidades. Crisântemos esparsos. A missa em dó menor. Marina, como Inês, é morta. Escrevo todas as cartas para ressuscitá-la. Ou para morremos juntos. E para juntos recuperarmos a herança imprecisa do futuro. Mundo sem Deus. Com esplêndido futuro luminoso. Vinte anos se passaram, cobertos de silêncio. Um corpo que se agrega à selva dos fenômenos. Deu-se por fim a glória de um destino. As aves migratórias são inquietas\\\" [23]. Sim. Desfecho imprevisível: Celso escreve para uma mulher que já está morta. Ponto alto do livro porque a morte é a consciência fatal e irreversível da finitude. E a imprevisibilidade do desfecho se sobrepõe, ou, intercala-se, se justapõe, queiramos ou não, à leitura que havíamos feito do livro. A morte de Marina muda a primeira leitura. O autor nos leva a reler todas as cartas sob outra perspectiva. Os leitores não têm escapatória. Não percamos de vista as palavras do autor na carta de número 0...\\\"No escuro e no silêncio, as cartas ardilosas não desistem do eterno retorno da leitura\\\" [24]. De fundo, novamente, os ressoares de Broch: \\\"O nada nunca alcançável, a morte fecunda/A que apenas o acaso é semelhante?/ Toda a lei se transforma em acaso, na queda do abismo,/E também tu, ó destino, te tornas acaso, para o acaso/ Subitamente para o crescimento e os ramos do conhecimento/ rebento a nascer do rebento, desintegram-se de súbito/ em destruída linguagem, isolado em objeto,/isolados na palavra, desfeita a ordem, desfeitas a verdade, a comunhão e a unidade\\\" [25]. Mas Lucchesi tem uma boa resposta: \\\"A linha de uma vida é complexa. Não há um modo retilíneo, irreversível, contra um conjunto de incerteza e digressão. O mundo é uma teia emaranhada. Nossos passos traduzem o devir. Nenhum fato é isolado. Tudo é sistema\\\" [26]. Diante do exposto segue-se uma questão importante! A quais ritmos somos levados pelos ardis arquitetônicos labirínticos de Marina ? Os ritmos da obra são predominantemente oscilantes. Deliciosamente oscilantes porque, entre outros fatores, os sons de fundo, em grande parte determinam o ritmo. Nessa medida, acompanhamos, entre idas e vindas, quase bamboleantes, \\\"baleias, bicicletas, corpo feminino em fuga, frios temporais do Atlântico, atravessar a maresia, nademos juntos, não para de chover, ando nas rochas, o vento move as árvores, mar despenteado, terremoto, Mozart, um piano sobrenada na memória, piano voador, selva selvagem que sibila ao vento\\\" e mais centenas de imagens expressivas que dão um tom incrível ao movimento. Ao ritmo do livro. Um ritmo em que as pausas, lacunas e os silêncios predominam. Afoga-se, com isso, a leitura literal. Recua. Silenciosamente. E quando, nós leitores, voltamos à superfície, percebemos que nossos próprios relógios entraram em colapso. O tempo cronológico destoa, descaradamente, de nossos relógios internos. Silêncios, pausas e lacunas dão um aroma muito especial à ausência em si mesma que exige do leitor: imaginação, fantasia, criatividade. Um processo muito presente nos instantes privilegiados que quando escapam, impossível retornar a eles. Por definição como o tempo. Irreversíveis. A densidade poética possui ápices que não podem ficar omitidos. Porque, Marina, os relógios não morrem. Não se dissipa um grão de areia, nem mesmo a gota de suor no rosto perolado. A eternidade aclara a contingência. Ronronam os gatos de outrora. E meus diletos cães põem-se a latir. Poço infinito. Abismo raso. [27] Densidade poética em continuidade + sutilíssima curvatura erótica + \\\"Eros: quando promete ao chegar, desmente ao partir\\\" [28]. E assim [29]: Carta de amor (desesperado) que rasguei: \\\"...pousa nos lábios uma estrela...secreta harmonia...deserto amanhecer...teu corpo inelutável...lagoa iluminada e seios úmidos...bosque sutil...pequena morte...jogo de espelhos e palavras...seu rosto desenhado no meu peito...à mesa um copo de absinto...duas palavras e voltamos a dormir...infame precipício...\\\" Num ressoar distante...muito distante...Yu Xuanji [30]... Carta a um amigo Vastas, inquietas, as ruas sem bons amigos Passam-se os dias, envergo o melhor vestido Frágil no espelho é meu rosto, os soltos cabelos Cobre-me em bruma leve o perfume do incenso É primavera, o desejo encontra-me agora Vejo-me à imagem de ilustres divas de outrora À porta jovens ditosos param seus carros Vergam salgueiros: à hora, flores se abrem. Marco Lucchesi é um escritor, sabidamente, como exposto no início deste texto, e como \\\"comprovam\\\" suas obras, cuja literatura dialoga com as mais diversas fontes de outros saberes, nunca é demais lembrar, conceitualmente. Ou seja, tem propriedade profunda em relação aos seus referenciais que são se prestam a meras epígrafes com pretensos aromas de erudição (elementos em alta nos dias de hoje entre os famosos representantes da 'tudologia'). As múltiplas perspectivas de tempo em Marina, oceanicamente , \\\"flutuam num domínio atemporal\\\"[31], como já colocado, anteriormente, inclusive, na esteira de Broch. Questões de temporalidade cuja concretude se apresentam como sínteses epistemológicas, que mais direta ou indiretamente, se fazem presentes nas obras de Lucchesi. Nessa medida, reforçando o quanto a sua literatura atravessa a filosofia dispersando fronteiras rígidas. Sob ecos mais explícitos, entre muitos outros diretamente ligados à filosofia, de Parmênides e Emanuele Severino, a marcação temporal de Marina nos mostra o quanto o tempo é uma consubstancialização do pensamento, como definiria Jankélévitch. O que é o tempo? \\\"Um corpo em fuga\\\". O tempo seria \\\"um espaço descontínuo\\\"? Em que medida estamos imersos na \\\"jaula do presente\\\" ? O que é duração em termos de Bergson? \\\"Uma viagem de dez metros levou décadas\\\". \\\"Eis, em resumo, os últimos vinte, ou duzentos, anos\\\". \\\"O que são vinte anos no tempo geológico? Não passam de um minuto. Gota no mar, um quase nada, fogo-fátuo\\\". Cronologias? \\\"Passaram-se vinte anos e dois gatos desde a última carta. Perdi a conta dos relógios que morreram\\\". \\\"Presa da escuridão, o dia amanhece\\\". Eternidade? \\\"Meio-dia\\\". \\\"O agora é um índice de eternidade\\\". Tempo cíclico? \\\"retorno da leitura\\\". \\\"Retorno do eterno retorno\\\". Para não ser mais uma vítima de Sartre, não devemos cair, entre outros fatores que abreviam nosso espaço, nas sutis armadilhas da exaustão quando nos propomos a apresentar um livro. Contudo, não podemos deixar de lado o quanto Marco Lucchesi, enquanto grande escritor que é, vai ao encontro, em grande parte, da cosmologia de Peirce. Talvez, uma das mais abrangentes em termos de contemporaneidade. Que ao menos responde, mesmo de forma provisória, algumas insuficiências conceituais a que estamos, miseravelmente, submetidos. A filosofia de Peirce coloca a questão da verdade de forma, talvez, satisfatória. Ou seja, não existem verdades definitivas. Existiria sim, um mundo, ao que tudo indica, que caminha para ela. Lembremos que em Marina a todo momento Marco Lucchesi, nos faz refletir a tal respeito. Lucchesi coloca indagações que não são respondidas. Joga-as para que seu leitor reflita juntamente com ele. Na cosmologia de Peirce sujeito e objeto estão juntos. Acredita ele, de forma severamente fundamentada, este grande estudioso de Kant, Schelling e Schiller – naturalmente entre outros – que existe uma atemporalidade entre sujeito e objeto que os faz ficar em perfeita simetria. Existiria uma descontinuidade temporal em que passado e futuro desaparecem. Tal descontinuidade se daria entre o interno e o externo. Nessa medida, rompe-se o tempo objetivo, assim como na subjetividade existiria um hiato de temporalidade na própria consciência e que, por incrível que pareça, ficaria isolado da experiência de alteridade do mundo. Enfim, pura qualidade na unidade. O agora como pura presentidade. Sob tal perspectiva, Marina se mostra como um exemplo fascinante do denominado continuum de possibilidades. Portanto, sentimento de liberdade indefinida e infinita que somente poderá ocorrer sob o domínio de um hiato interior de temporalidade. Em Marina, assim nos parece, dissolvem-se, conceitualmente, as famosas dicotomias entre subjetividade e objetividade. Ouçamos Lucchesi: \\\"Sujeito e objeto não se sustentam numa oposição dramática. Uma incursão de subjetividades, a descoberta especular de um conteúdo crescente, de um contínuo insolúvel, que os afasta e os aproxima\\\" [32]. Para a leitura de um livro como Marina e das verdadeiras obras artísticas em geral, por lembrar veementemente de Ivo Assad Ibri , não basta um olhar apenas referencial. Requer-se, e isso não está disponível em todas as almas, um certo estado poético. Graus de sensibilidade estética. Cremos que somente desta forma poderemos, de fato, atravessar sentidos mais profundos e agudos daquilo ao qual nos dispusemos a compreender. S. 1 Não esquecer as mãos sujas de Sartre e os sem-culpa (Schuldlosen) de Broch. [33] S. 2 [Tosse, 2020 Não tenho febre. Olho de longe as pedras de Itacoatiara. Deito-me no chão e olho o azul do céu. A passagem das nuvens me fascina desde a infância. Como se um deus legislasse o azul. Uma tosse de leve. Páginas de Boccacio.] [34] [1] Sartre, Jean-Paul. O que é a literatura?. Tradução de Carlos Felipe Moisés. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. p. 32. [2] Lucchesi, Marco. Poeta do Diálogo. São Paulo: Tesseractum/ Fundarte, 2022. p. 139. [3] Lucchesi, Marco. Marina. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023. p. 26. [4] https://portal.sft.jus.br/.noticias/. [5] Marina. p. 13. [6] Lucchesi, Marco: organização e apresentação. As dez melhores histórias do Decamerão/Giovanni Boccaccio. Tradução de Raul de Polillo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021. p. 7. [7] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. São Paulo: Tesseractum, 2023. p. 73. [8] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. In prefácio. p. 7. [9] Idem, Marina, p. 13. [10] Idem. [11] Yourcenar, Marguerite. Memórias de Adriano. Tradução de Martha Calderaro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. p. 36. [12] Ramos, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 78. [13] Marco Lucchesi. Carteiro Imaterial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. p. 16. [14] Silveira, Nise da. Viagem a Florença: carta de Nise da Silveira a Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. p. 29. [15] À sombra da amizade: cartas de Israel Pedrosa a Marco Lucchesi. Niterói: Eduff, 2021. p. 105. [16] Broch, Hermann. A Morte de Virgílio. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Lisboa: Relógio D'Água, 2014. p. 101. [17] Lucchesi, Marco. Marina. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023. p. 31. [18] Miranda, Ana. In Posfácio Marina, p. 101. [19] Marina, p.45. [20] Lucchesi, Marco. In: Prefácio da obra Doutor Jivago de Boris Pasternak. Tradução de Zoia Prestes. Rio de Janeiro: BestBolso, 2014. p. 12. [21] Marina, p. 81. [22] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. São Paulo: Tesseractum Editorial, 2023. p. 157. [23] Marina, p. 95. [24] Marina, p. 15. [25] Broch, Hermann, p. 160. [26] Marina, p. 27. [27] Idem, p. 96. [28] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. p. 60. [29] Idem, p. 86. [30] Xuanji, Yu [844-869]. Poesia Completa. Tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao. São Paulo: UNESP, 2011. p.119. [31] Marina, p. 49. [32] Paisagem Lunar, p. 76. [33] Paisagem Lunar, p. 233. [34] Lucchesi, Marco. Adeus, Pirandello. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2022. p. 64.\",\"PeriodicalId\":41824,\"journal\":{\"name\":\"Eccos-Revista Cientifica\",\"volume\":\"49 1\",\"pages\":\"0\"},\"PeriodicalIF\":0.1000,\"publicationDate\":\"2023-09-19\",\"publicationTypes\":\"Journal Article\",\"fieldsOfStudy\":null,\"isOpenAccess\":false,\"openAccessPdf\":\"\",\"citationCount\":\"0\",\"resultStr\":null,\"platform\":\"Semanticscholar\",\"paperid\":null,\"PeriodicalName\":\"Eccos-Revista Cientifica\",\"FirstCategoryId\":\"1085\",\"ListUrlMain\":\"https://doi.org/10.5585/eccos.n66.25161\",\"RegionNum\":0,\"RegionCategory\":null,\"ArticlePicture\":[],\"TitleCN\":null,\"AbstractTextCN\":null,\"PMCID\":null,\"EPubDate\":\"\",\"PubModel\":\"\",\"JCR\":\"Q4\",\"JCRName\":\"EDUCATION & EDUCATIONAL RESEARCH\",\"Score\":null,\"Total\":0}","platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Eccos-Revista Cientifica","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.5585/eccos.n66.25161","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"Q4","JCRName":"EDUCATION & EDUCATIONAL RESEARCH","Score":null,"Total":0}
引用次数: 0
摘要
当我们带着“呈现”给读者的责任阅读一本书时,有几种方法可以做到这一点。如你所知,我们可以把这本书分开,就好像作者没有其他的书一样。或者,甚至,我们逃避语境化。但对于像马可·卢切西(Marco Lucchesi)这样规模的书来说,这样的程序至少可以说是不诚实的。或者是一种违背任何感性原则的立场。我们将进一步加强萨特的讽刺愤怒:“我们必须记住,大多数评论家都是没有多少运气的人……评论家的生活很糟糕;他的妻子不像人们希望的那样欣赏他,他的孩子是忘恩负义的,月底很难”[1]。让我们保持公平和清醒。马尔科·卢切西(Marco Lucchesi)已经在国内和国际舞台上以文学和专业的方式脱颖而出,如果我们想到一位一直致力于文学的作家,这是值得评论的。在实践中,通过各种方式传播它。这位巴西作家从47岁起就加入了ABL,后来担任了4年的主席。他目前是国家图书馆基金会的主席。他从不忽视来自世界各地的当代和经典作家的翻译。顺便说一下,马可·卢切西会说20多种语言。这位诗人从小就经常去巴别塔。带着它,他以伟大圣人的平静和敏捷上下楼梯。没有者。就像和平百合在一个没有希望的早晨自发绽放一样自然。为什么要省略马可·卢切西创造了自己的语言呢?也就是说,拉普塔尔语。最近出版了第三版和第四版数学赞美诗。这是一部诗人的作品,在概念上(重点不是教学)突出了数学的美,并再次导致了数学和诗歌之间的关系。《月球景观》第二版是一篇真正的哲学论文,它以格言的形式收集了认识论的综合,在其中它引导我们再次反思文学和哲学之间的微妙联系。在失眠的领域,作者的大部分诗歌的集合,反过来,与当代和古典来源的对话几乎是不可想象的,以及诗人通常与无数的艺术,哲学和科学来源的对话。当安娜·路易莎·卡多索(Anna Luiza Cardoso)在接受马尔科·卢切西(Marco Lucchesi)采访时,她问她的作品中哪一种文学特征占主导地位,她回答说:“我认为它们都以一种棱角分明的方式表达出来。一个镜子的游戏,在这个游戏中,各方聚集在一起,相互交织。但诗歌是聚会的地方。唱诗班的声音。过程的开始,对世界的感觉和它强烈的共鸣。一切都是诗歌。即使是在另一种文学体裁或地址。边界已经消失。对沉默和深度的追求导致了噪音和表面”[2]。会把..."我从地上抛下寂静的芳香。但我们必须培养它们”[3]。应该记得我说一不被任命为2023年1月,由政府高层,其中很重要的一个是主持的内存空间的反响,一时心血来潮或通过一个简单的巧合。作者,在理论和实践中,一直在图书馆。举个例子,你的小说《皇帝的图书管理员》。在实践中,一直都是一个恒定不变的生活轨迹的表演项目在社会和文化互相传播的图书馆的图书、培训各种空间。这是国家、学校、社区(最遥远最接近)。关节的地理分布的书的作者不受限。边界。包括,例如,南极洲。像你说的,在他的演讲中,部长最高罗莎·韦伯,在最近的一年里国家图书馆“记录一个世纪瑞巴博萨的死,从巴西遗留在这个异常多的律师、记者和政治人才,我们有机会思考的建设我们国家今天的计划未来的设计。和看过去是看我们的历史,我们的文化,我们的记忆。瑞,马可一诗人的例子,现任总统的国家图书馆,也是不死之身(...)从实例和两个轨迹的巴西人过去和现在都在今天的故事,他们崇尚尊重艺术、文学、诗歌美学的巴西文化,锻造从种族多样性和多元的形状,颜色和人的本质,我们的一切有关[4]。简而言之:在本文中,我们选择将玛丽娜置于作者的作品中。 在当前的背景下,尽可能地定位它。让我们听听马可·卢切西(Marco Lucchesi)的话:“这本书丢失了一百多页。我希望这些卡片能说明一切。手稿被保存或遗忘在两个纸质档案中:剪报、照片和明信片。多年后(和几页),语言的情节和结构改变了最初的想法。他从小说变成了小说。”[5]在很大程度上,玛丽娜提出的第一个思考是小说和小说的概念。虽然我们知道类型学不应该进入一个僵化的分类系统,但它们在教学和概念上都很重要。事实上,作者自己已经定义了什么是小说。然而,不管我们喜欢与否,它确实提出了与之相关的问题。众所周知,这一流派在意大利和法国都有很大的反响。让我们听听马可·卢切西(Marco Lucchesi)在他编撰的《十日谈十大最佳故事》(the ten novelas, a poeta)一书的序言中所说的话:薄伽丘的《十日谈》是西方历史上必不可少的一章。我指的是人文主义的核心,文艺复兴的前奏。这是对散文的重新征服,对世界的叙述及其翻译,围绕着“[6]”这个词。值得记住的是,埃里希·奥尔巴赫也为我们提供了一种真正的小说美学,从历史上指出了这一流派的美丽道路。小说,甚至带我们去了radionovela, fotonovela, telenovela。属重要的显示方法,推导了丰富的关于这个话题的讨论。对心理学、社会学和历史学都很重要的体裁。然而,有必要记住:“历史不会重复,没有同类,也没有永恒的回归,投射在二元维度中。”从来不把财宝的故事情节等的标识符的救援”[7]。小说?在21世纪?为什么作者写小说吗?其中一个答案很清楚。更多精彩Ciprian Valcăn: "马可灵是一条目的异教徒。来交战,那些意识形态总是准备吞下他,不愿意固执地意图totalizadoras,非理性的信仰在他们发现真相,真相,能够结束的故事。他总是试图过时,也就是说,远离时尚的奇想和暴政,坚持以自己的方式思考,不让观众的掌声或嘘声以任何方式影响他的担忧。”[8]因此,能够让一还在距离时尚和暴政",这是玛丽娜是书信体小说。更多精彩的诗人了,码头和克理索的对应关系可以追溯到1990年代。由于某种原因,它被中断了,几年后又被恢复了。诗意的失调。日期和分散。也许爱,到处都是,但你找不到任何地方。爱在翻译时死亡,当它死亡时,它翻译"[9]。还有一个探究声音是什么信?" ...信开放空间不连续,luzeiros的词将在阿特拉斯莱斯特。小极光的哲学家”[10]。一封信和一个不连续的对话。也许等待。会把玛格丽特的尤瑟“...之间…这些是什么样的,莫名的有一个鸿沟”[11]。但当你到答案...重新开始对话。但最重要的是,当“极光的哲学家为什么不去,比如福柯的指向对象的信的解释学的基本包括古代哲学家,是吗?信才知道:提供了一个练习,思考你!之间,弄清楚是谁最先进最古老的哲学家追寻的优越性同时纪念品收货人和发货人的真理。著名的和永恒的火焰中对生活的追求。换句话说,在当代有历史的信,越来越疏远,没有记忆。所以,码头,从我们的角度来看,在不同的空间和宝贵的电子邮件和其他媒体看来都统治时期,也许,从来没有这么desmemoriados。但既然我们是在爱的层面上,我们怎么能不记得阿伯拉尔和埃洛伊萨的信呢?像忘记抹大拉的著名的保罗·伯纳多的阅读部分成碎块,丢失一页,把嫉妒后悔没有完成吗?“抹大拉的长凳上放着她告诉我的信封。打开它。那是一封很长的告别信。看他,经历,自然包括了一半,因为我每一步避免那些亵渎我的无知。我少了一页:正好是我钱包里的那一页,在水泥发票和玫瑰多年前给我的反对maleitas的祈祷中。”[12] 那么几个世纪以来作家之间的信件呢?Lucchesi:“我需要另一个来接近我”[13]。是的。“阿特拉斯莱斯特"。9/12/90人马座的象征,diletíssimo马可表达大地和诗歌摩天大楼之间的联系。电弧脉冲的剧烈张力是一种强烈而危险的运动。在极端之间划分紧张局势可能是有益的。但是,如果空中诗歌的魅力是不可抗拒的,那么放松是不可避免的。接受你美丽的命运。好吻,Nise[14]亲爱的Marco。他对我的《心的宇宙》(the universe of the corn)的精彩描述的美丽和实质,让我超越了其他凡人。当我落地的时候,也许我有机会评论一下。带着贾米尔所有的情感,再次认识他的以色列的伟大拥抱。出生9 -2003[15]码头是小说-epistolar -prosa神话文学显示多少,就是这个年轻人的死亡往往宣布主权,保持超过所谓determinismos—主要是悲观主义者—地域性,当在一个作者,他们宣布结束,宽。从小说的内在结构开始。有39张牌…在Hermann Broch的一些呼应下:[16]“将时间展开到永恒,以这样一种方式,通过消费任何持续时间,随着现实的增长,打开和跨越一个又一个边界,最内在和最外在。”每一个都有一个综合。几乎是接下来的菜单:“海龟保护”。关于抛光镜片的重要性。阅读和预测星座运势。满月时身体的隐喻"[17]。从综合来看,这封信本身。非常高和迷人的张力引导读者阅读下一个。沉默和空白体现了卢切西的美学。然而,读者绝望地寻找连续性“……最美丽的爱情书之一,一首现代的圣歌,在其中神通过人类揭示了他自己。除了受到男女之间爱情的启发,玛丽娜还唤起了诗人和文字之间的相互爱。爱写在塞尔索写给玛丽娜的信中,一种古老的,青少年的感觉,在一个新的男人的新心中重生”[18]。紧张是无限的。毫无戒心的读者可能没有注意到第12张卡片在第14张卡片上有一个不连续的跳跃。马尔科·卢切西(Marco Lucchesi)和博尔赫斯(Borges)一样,为读者编织了真正的陷阱。在作者的作品中,没有什么是免费的。13号牌在哪里?是吗?是婚姻吗?迷路了吗?会是什么,总是一个神秘的问题,原因?众所周知,13对许多文化来说是一个不祥的数字。在没有第13封信的情况下,一种可能的解读是第14封信的内容:“墙上终于出现了裂缝。没有武器的言语,没有吸引力。你要带我去哪里?黑色的阳光永远不会过去。足以在晚上发出声音。我们必须面对十字路口。如何把石头从疯狂中拔出来?我们被命运的力量抛到远方。也许你能猜到再见。我发现自己在一片废墟中。我需要阳光,莫扎特的歌剧是什么样的?”[19]。也许是:“目的地高于目的地”[20]。所有的一切都表明,存在着一种危险的情况,为了避免过度危险的解读和过度解释,就像Eco会说的,没有参考。内部和外部。12号和14号。简而言之,宪章13并不存在。当读者热切地寻找爱情故事的结局时,一个巨大的惊喜出现了:一封来自玛丽娜的信。32号牌。“海滨别墅被拆除了?!”它是如此美丽,我想象你在里面。漂亮的房子,漂亮的地方,漂亮的海滩!窗外的景色是无价的!(...)我没有忘记任何事情,美丽的风景和那些在我生命中留下印记的人。我希望有一天能回来。当然,一切都不一样了。但我们总是要弄清楚我们是谁”[21]。当你知道一个作家的作品集时,你不可能不听到一些回响:“rua dos ibes的房子被拆除了。然而,它在黑夜中发光。我不乏记忆星座。天已经黑了,但早晨还没到,还这么年轻。海浪跟随你的手艺。阳光照耀着过去的街道。海滩是我的。每一粒沙子都是一个新世界。无限的想法漂浮在海边”[22]。码头宪章创造了一种期望,即来自同一发件人的其他宪章将会到来。但是Lucchesi不同意。我们只能看到她的一封信。这无疑提高了我们的感官,提高了书中的紧张感。这个迷人的爱情故事的结局令人难以置信地令人惊讶。这发生在第39封信,也就是最后一封信中:“我陷入了一个无法接近的时代。失物招领处。凶猛的相遇之光没有发生。一个公开的、未完成的承诺。不安分的执着,向你的眼睛告别,这眼睛把我从罪恶的土地上偷走了。这些媒体。c小调弥撒。 玛丽娜和艾格尼丝一样死了。我写的每封信都是为了让她复活。或者一起死。并共同恢复未来模糊的遗产。没有上帝的世界。有着美好的未来。二十年过去了,一片寂静。一个加入现象丛林的身体。命运的荣耀终于被赋予了。候鸟不安分”[23]。是的。不可预测的结果:塞尔索为一个已经死去的女人写作。书的高潮,因为死亡是致命的,不可逆转的有限意识。不管你喜不喜欢,结果的不可预测性与我们对这本书的解读重叠,或者重叠,并置。玛丽娜的死改变了第一次阅读。作者引导我们从另一个角度重读所有的信件。读者无处可逃。让我们不要忽视作者在第0号信中所说的话……“在黑暗和沉默中,狡猾的信件不会放弃阅读的永恒回归”[24]。在背景中,布洛克再次回响:“永远无法达到的虚无,只有偶然相似的富有成效的死亡?”所有法律变成的深渊坠落,/命运啊!还有你,你就有机会/突然增长和分支的知识/僻远的出生的孩子,突然瓦解/被毁,孤立的语言对象,孤立在词,进行合理的秩序,断掉了真相,[25]的交融和统一。但Lucchesi给出了一个很好的答案:“生命的路线是复杂的。没有共线的方法对一系列的不确定性和不可逆转的巡回演出。世界是一张错综复杂的网。我们的脚步反映了成为。无讼是孤立的。一切都是系统”[26]。面前,暴露了往一个重要问题。的节奏我们的建筑艺术像迷宫一样的码头?这首歌的节奏主要是摇摆的。美味的波动等因素的影响,背景声音,并在很大程度上决定的节奏。因此,我们之间,来来去去,几乎bamboleantes,鲸鱼,自行车逃跑,女性身体的冷(大西洋,越过海洋,一起游泳,下雨了,我在岩石上,风吹树动,凌乱地震海莫札特钢琴sobrenada记忆中的钢琴,会飞的野生丛林希风”和奇妙的成百上千的图片表达的一种运动。书的节奏。一种停顿、间隙和沉默占主导地位的节奏。因此,字面上的阅读被淹没了。退回去。无声的。当我们读者回到表面时,我们意识到我们自己的时钟已经崩溃了。按时间顺序排列的时间与我们内心的时钟公然不同。年初,休息和给一个非常特殊的香味差异缺乏本身要求读者的想象力,幻想,创造力。这是一个非常存在于特权时刻的过程,当他们逃离时,就不可能回到他们身边。根据定义就是时间。不可逆转的。诗意的密度有不可忽视的顶点。因为,玛丽娜,时钟不会死。不流失一粒沙子,连珍珠滴着汗水在脸上。永恒的应急计划。过去的猫会呜呜叫。我的狗在吠。无限好。浅的深渊。[27]连续性中的诗意密度+微妙的情色曲率+“厄洛斯:当它承诺到达时,当它离开时,它否认”[28]。[29]:我撕掉的情书(绝望的):“……一颗星星落在嘴唇上。秘密的和谐沙漠黎明你不可避免的身体…明亮的池塘和潮湿的胸部…森林对于...小死...镜子和文字的游戏…你的脸画在我胸前。桌上有一杯苦艾酒。两个字,我们就睡了。臭名昭著的悬崖... "在遥远的共鸣中。遥远的...[30]…写给朋友,国内大片,街道上没有好朋友每天安于现状,穿最好的衣服脆弱镜子里的脸,缅甸释放头发掩护我带香水的香是春天,渴望找到我现在看到我在门口往日的画面会被给予年轻人幸福停止汽车柳树:屈服于时间,开的花。马尔科·卢切西(Marco Lucchesi)是一位著名的作家,正如本文开头所述,正如“证明”他的作品一样,他的文学作品与其他知识的最多样化来源进行了对话,从概念上讲,永远不会被过多地记住。换句话说,它与它的参考文献有着深刻的关系,这些参考文献仅仅是带有所谓的博学芳香的题词(如今在“都学”的著名代表中高高在上的元素)。在Marina中,时间的多重视角,从海洋的角度来看,“漂浮在一个永恒的领域中”[31],正如我之前提到的,包括在Broch的尾声中。 时间性问题,其具体性表现为认识论的综合,更直接或间接地出现在卢切西的作品中。因此,加强你的文学和哲学散射边界刚性。会更加具体,众多个人和直接连接到哲学,从巴门尼德和埃提,玛丽娜的预约时间告诉我们思维的一个consubstancialização时间是多少,如何定义Jankélévitch。什么是时间?"一具逃跑的尸体"时间是“不连续的空间”吗?当我们沉浸在笼子里的“礼物”。柏格森的持续时间是多少?“十米的旅程花了几十年。”"还有,简而言之,过去的20或二百年。”“二十年的地质时间是多少?”不超过一分钟。滴在海里,一个几乎没有,鬼火。”时间安排?20年过去了,两只猫在最后一封信。我已经数不清手表了。”“猎物的清晨总是黑暗的。来世?“中午”。现在是一个永恒”指数。循环时间?读书的时候"返回"。“回归”的永恒的归宿。不要成为另一个受害者的萨特,我们不应该下降等因素,简化我们的空间,在微妙的陷阱都我们介绍一本书。然而,我们不能让马可一多,而伟大的作家,会很大程度上吸引了宇宙学的皮尔斯。也许是当代最全面的作品之一。它至少回答了,即使是暂时的,一些概念上的缺陷,我们悲惨地屈服于这些缺陷。皮尔斯把哲学问题,也许,满意的真理。也就是说,没有明确的真理。是的,有一个世界,一切似乎都在朝着它前进。让我们记住,在玛丽娜的任何时候,马可·卢切西,都让我们反思这一点。一把没有回答的问题。把它们扔出去,让你的读者和他一起思考。在宇宙学皮尔斯的主体和对象在一起。相信他的严重外交,这个大学者的康德、谢林和席勒—当然其他—主体和客体之间有一个暂时的变完美的对称。在过去和未来消失的时候,会有一种时间的中断。关于你给内部和外部之间的间断。在这种程度上,客观时间被打破了,就像在主体性中,意识本身会有一个时间性的缺口,令人难以置信的是,它将与世界的他者体验隔离开来。最后,纯粹的质量单位。现在是纯粹的存在。从这个角度来看,玛丽娜是所谓的可能性连续体的一个迷人的例子。因此,一种不确定和无限的自由的感觉,只能发生在一个内在的时间性间隙的领域。在我们看来,在Marina中,主观性和客观性之间著名的二分法在概念上被分解了。让我们听听Lucchesi的话:“主体和客体并不是对立的。主观性的入侵,一种不断增长的内容的推测发现,一种不可溶解的连续体,使他们分离,使他们更接近[32]。要阅读像玛丽娜这样的书和真正的艺术作品,要强烈地记住伊沃·阿萨德·伊布里,仅仅参考一下是不够的。一种诗意的状态是需要的,但并不是每个灵魂都能得到。审美敏感性的程度。我们相信,只有这样,我们才能真正跨越我们愿意理解的更深、更尖锐的感觉。不要忘记萨特的脏手和布罗奇的无罪(Schuldlosen)。[33] S. 2[咳嗽,2020我不发烧。从远处看伊塔科阿蒂亚拉的石头。我躺在地上,看着蓝天。从孩提时代起,云朵就吸引着我。就像上帝在为蓝色立法一样。轻微的咳嗽。薄伽丘的书页。[34][1]萨特,让-保罗。什么是文学?卡洛斯·费利佩moises翻译。petropolis, RJ:声音,2015。32页。[2] Lucchesi, Marco。对话诗人。sao保罗是巴西东北部巴伊亚州的一个自治市。139页。[3] Lucchesi, Marco。码头。桑托andre (SP): sabao街,2023年。26页。[4] https://portal.sft.jus.br/.noticias/。[5]码头。13页。[6] Lucchesi, Marco:组织和展示。《十日梦》的十大故事/薄伽丘。劳尔·德·波利洛翻译。里约热内卢de Janeiro:新边界,2021年。7页。[7] Lucchesi, Marco。月球景观。sao保罗是巴西东北部巴伊亚州的一个自治市。73页。[8] Lucchesi, Marco。月球景观。在序言。7页。[9]同上,玛丽娜,第13页。[10]同上。[11]你的塞纳,玛格丽特。哈德良的回忆录。玛莎·卡尔达罗翻译。里约热内卢de Janeiro: new border, 2019。36页。[12] Ramos, Graciliano。圣伯纳德。里约热内卢de Janeiro: Record, 1998。78页。
Marina. Lucchesi, Marco. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023.
Ao atravessarmos a leitura de um livro com a responsabilidade de "apresentá-lo" a um público, diversos são os caminhos para que isso aconteça. Podemos, como se sabe, isolar o livro como se o autor não tivesse outros. Ou, até, escaparmos de contextualizações. Mas no caso de um livro cujo autor é da envergadura d Marco Lucchesi, tal procedimento seria, no mínimo, desonesto. Ou uma postura que iria contra qualquer princípio de sensibilidade. Reforçaríamos, ainda mais, a fúria irônica de Sartre: "É preciso lembrar que a maioria dos críticos são homens que não tiveram muita sorte na vida (...) O crítico vive mal; sua mulher não o aprecia como seria de se desejar, seus filhos são ingratos, os fins de mês são difíceis" [1]. Sejamos justos e lúcidos. Marco Lucchesi, já faz bons anos, destaca-se no cenário nacional e internacional por um percurso literário e profissional, digno de ser comentado se pensarmos em um escritor que, de fato, desde sempre se dedicou à literatura. Na prática, a difundi-la pelos mais variados meios. O escritor brasileiro que pertence à ABL desde seus quarenta e sete anos e, posteriormente, a presidiu durante quatro anos. Atualmente, preside a Fundação Biblioteca Nacional. Jamais deixou de lado traduções de autores, contemporâneos e clássicos, de todos os cantos do mundo. Diga-se de passagem, que Marco Lucchesi domina mais de vinte idiomas. O poeta frequenta Babel desde criança. Com isso sobe e desce suas escadas com a serenidade e agilidade dos grandes sábios. Sem esnobismos. Com a mesma naturalidade do desabrochar espontâneo de um lírio da paz numa manhã que pouco promete. Por que omitir que Marco Lucchesi criou uma língua própria? Ou seja, a língua Laputar. Recentemente publicada em sua terceira edição juntamente com a quarta edição de Hinos Matemáticos. Uma obra do poeta em que conceitualmente (o enfoque não é pedagógico) coloca em evidência a beleza da matemática e conduz, uma vez mais, a relações entre ela e a poesia. Paisagem Lunar, em sua segunda edição, é um verdadeiro tratado filosófico que reúne sínteses epistemológicas, sob a forma, inclusive, de aforismos, em que nos leva a refletir, uma vez mais, os delicados liames que entrelaçam literatura e filosofia. Em Domínios da Insônia a reunião da maior parte de poemas do autor, que por sua vez, dialogam com fontes contemporâneas e clássicas quase inimagináveis, assim como o habitual diálogo do poeta com inúmeras fontes artísticas, filosóficas e científicas. Quando Anna Luiza Cardoso, numa entrevista a Marco Lucchesi, lhe pergunta qual face literária predominava em seu conjunto de obras, responde: "Creio que todas se articulam de modo prismático. Um jogo de espelhos em que as partes se convocam e se entrelaçam. Mas a poesia é o lugar do encontro. O coro de vozes. O começo do processo, o sentimento do mundo e suas intensas ressonâncias. A poesia em tudo. Mesmo quando em outro gênero literário ou endereço. As fronteiras caíram. A busca do silêncio e da profundidade me leva a ruídos e superfícies" [2]. Ecos..."Tiro do chão aromas do silêncio. Mas é preciso cultivá-los" [3]. Convém lembrar que Marco Lucchesi não foi nomeado, em janeiro de 2023, pelos altos escalões governamentais, para presidir um dos mais importantes espaços de memória do cenário mundial, por um simples capricho ou um acaso. O autor, na teoria e na prática, sempre esteve presente em bibliotecas. Haja vista, somente para ficarmos com um exemplo, seu romance O Bibliotecário do Imperador. Na prática, sempre foi uma constante e invariável em sua trajetória de vida, atuar em projetos sociais e culturais visando distribuição de livros, formação de bibliotecas nos mais variados espaços. Isto é, escolas, comunidades nacionais (das mais próximas às mais distantes). A geografia das articulações de distribuição de livros do autor não conhece limites. Fronteiras. Inclui, inclusive, a Antártica. Como disse, em seu discurso, a ministra do supremo Rosa Weber, ao visitar, recentemente a Biblioteca Nacional: "No ano em que se registra um século da morte de Rui Barbosa, e a partir do legado deixado por este brasileiro invulgar, de múltiplos talentos, notável jurista, jornalista e político, temos a oportunidade de refletir sobre a construção de nosso país no preparar do futuro que se desenha hoje. E olhar para o passado é olhar para a nossa história, nossa cultura, nossa memória. Rui, a exemplo do poeta Marco Lucchesi, atual presidente da Biblioteca Nacional, também foi um imortal (...) A partir do exemplo e trajetória desses dois extraordinários brasileiros o passado e o presente se encontram no dia de hoje enquanto história e celebram a reverência à arte, à literatura, à poesia e à estética deste Brasil multicultural, que se forja a partir da diversidade étnica e plural das suas formas, das suas cores e da essência de sua gente, em tudo o que nos diz respeito [4] ". Em síntese: optamos, neste texto, por situar Marina no conjunto de obras do autor. Localizá-la, à medida do possível, no contexto atual. Ouçamos Marco Lucchesi: "Mais do que cem páginas perdeu o livro. Queria que as cartas falassem por si mesmas. Guardado, ou esquecido, o manuscrito, dentro de dois arquivos de papel: com recortes de jornal, fotos e postais. Anos (e páginas) depois, a trama da linguagem e a estrutura mudaram a ideia original. Passou de romance a novela" [5]. Uma das primeiras reflexões a que nos submete Marina é, em grande parte, o conceito de novela e romance. Apesar de sabermos que as tipologias não deveriam entrar dentro de um sistema rígido classificatório, elas são didática e conceitualmente importantes. Na verdade, o próprio autor já nos define o que é uma novela. No entanto, levanta, queiramos ou não, questões ligadas a ela. Gênero, sabe-se, que teve grande repercussão na Itália e na França. Ouçamos Marco Lucchesi, no prefácio intitulado, Dez novelas, um poeta, do livro organizado por ele, As dez melhores histórias do Decamerão: "O Decamerão de Boccaccio é aquele capítulo essencial da História do Ocidente. E me refiro ao núcleo do Humanismo, aos prelúdios do Renascimento. Trata-se da reconquista da prosa, a narrativa do mundo e sua translação, em torno da palavra"[6]. Vale lembrar que Erich Auerbach também nos oferece uma verdadeira estética da novela ao indicar historicamente um belo percurso do gênero. Novela, nos leva, inclusive, à radionovela, fotonovela, telenovela. Gêneros importantes que indicam aproximações e derivações para uma riquíssima discussão sobre o assunto. Gêneros que tiveram grande importância, inclusive, para a Psicologia, Sociologia e a História. Todavia, imprescindível lembrar que: "A História não se repete, não tem sósias, nem se dispõe a um eterno retorno, projetada em dimensões binárias. A História não guarda tesouros latentes à espera de um resgate unívoco" [7]. Uma novela? Em pleno século XXI? O que leva o autor a escrever uma novela? Uma das respostas é clara. Ouçamos Ciprian Valcăn: "Marco Lucchesi é um espírito da categoria dos hereges. Vem guerreando contra as fórmulas ideológicas sempre prontas a engoli-lo, recusando teimosamente suas intenções totalizadoras, sua fé irracional em terem descoberto a verdade última, verdade essa capaz de pôr fim à história. Ele tem procurado sempre ser desatual, ou seja, manter-se à distância dos caprichos e da tirania da moda, pensar com perseverança à sua própria maneira, sem que os aplausos ou as vaias da plateia influenciem de alguma maneira as suas preocupações" [8]. Nessa medida, Lucchesi continua "à distância dos caprichos e da tirania da moda", isto é, Marina é uma novela epistolar! Ouçamos o poeta, "A correspondência entre Marina e Celso remonta à década de 1990. Interrompida, não sei por qual motivo, foi retomada anos depois. Poética da dissonância. Encontro e dispersão. Talvez amor, que em toda a parte está, mas não se encontra em parte alguma. Amor, que morre ao traduzir-se e quando morre, se traduz" [9]. Temos mais uma indagação cabível: O que é uma carta? "...cartas abrem um espaço descontínuo, onde se abrigam os luzeiros da palavra num atlas celeste. Pequena aurora dos filósofos" [10]. Entre uma carta e outra a descontinuidade de um diálogo. Talvez a espera. Ecos distantes de Marguerite Yourcenar"...entre mim e esses atos de que sou feito, existe um hiato indefinível"[11]. E quando uma resposta chega...o diálogo recomeça. Mas, sobretudo, quando "aurora dos filósofos" por que não pensarmos, por exemplo Foucault, no que aponta em termos de uma hermenêutica do sujeito em que as cartas entre os filósofos antigos, inclusive, eram fundamentais? Sabe-se: as cartas estabeleciam um exercício para se pensar sobre si! E entre os filósofos mais antigos esclarecer quem estaria mais avançado em busca das virtudes simultaneamente a uma recordação das verdades entre destinatário e remetente. A famosa e a eterna chama que clama a busca da verdade para a vida. Em outras palavras: as cartas possuem uma história em que no contexto contemporâneo, cada vez mais, ficam distantes e sem memória. Portanto, Marina, sob nossa perspectiva, abre um espaço distinto e precioso em que e-mails e outras mídias parecem reinar em tempos, talvez, nunca tão desmemoriados. Mas já que estamos nas camadas do amor, como não lembrar das cartas de Abelardo e Heloísa? Como esquecer a famosa carta de Madalena a Paulo Honório, em São Bernardo, cuja leitura parcial por estar aos pedaços, faltando uma página, levou o ciumento a um arrependimento que jamais foi finalizado? "Sobre a banca de Madalena estava o envelope de que ela me havia falado. Abri-o. Era uma carta extensa em que se despedia de mim. Lia-o, saltando pedaços e naturalmente compreendendo pela metade, porque topava a cada passo aqueles palavrões que a minha ignorância evita. Faltava uma página: exatamente a que eu trazia na carteira, entre faturas de cimento e orações contra maleitas que a Rosa anos atrás me havia oferecido"[12] . E as cartas entre os próprios escritores durante séculos e séculos? Lucchesi: "Preciso do outro para alcançar-me" [13]. Sim. "Atlas celeste". Sim. 9/12/90 O sagitário, seu símbolo, diletíssimo Marco, exprime o nexo entre a terra e a poesia-céu. A violenta tensão do impulso do arco é um movimento intenso e perigoso. Dividir a tensão entre os extremos seria talvez salutar. Mas se o fascínio da poesia-céu é irresistível, a distensão será inevitável. Aceite seu belo destino. Grande beijo, Nise [14] Querido Marco. A beleza e a substância do seu extraordinário texto de apresentação de meu 'O Universo da Cor' me fez levitar acima dos demais mortais. Quando eu baixar à terra talvez tenha condi- ção de comentá-lo. Com toda a emoção de Jamile, o grande abraço re- conhecido, do seu Israel. Niterói, 9-6-2003 [15] Marina é uma novela-epistolar-prosa-poética que indica o quanto a literatura, cuja morte é frequentemente anunciada, se mantém soberana, acima dos supostos determinismos – em grande parte pessimistas – contextuais, quando em mãos de um autor, que jamais decretou o seu fim, de envergadura. A começar da estrutura intrínseca à novela. São 39 cartas... sob alguns ecos de Hermann Broch: [16] "desdobrando o tempo até a intemporalidade, de tal modo que ele, ao consumir qualquer duração, com crescente realidade, abre e transpõe fronteira após fronteira, a mais interior e a mais exterior". Cada uma delas possui uma síntese. Quase uma ementa do que virá depois: "Preservação das tartarugas. Sobre a importância de polir as lentes. Leitura e previsão do horóscopo. Metáfora do corpo em lua cheia"[17]. E a partir da síntese a carta propriamente dita. Altíssima e fascinante tensão leva o leitor à leitura da próxima. Os silêncios e lacunas consagram a estética de Lucchesi. Entretanto, desesperam o leitor em busca da continuidade de "...um dos mais belos livros de amor, um moderno Cântico dos cânticos, em que o divino se revela através do humano. Além de se inspirar no amor entre um homem e uma mulher, Marina vai invocando o amor mútuo entre poeta e palavra. Amor escrito nas cartas de Celso a Marina, a um sentimento antigo, adolescente, que renasce dentro do novo coração de um novo homem" [18]. A tensão não tem limites. O leitor desprevenido talvez não note que a carta 12 dá um salto de descontinuidade à 14. Marco Lucchesi, tal qual Borges, entrelaça verdadeiras armadilhas para os leitores. Nada é gratuito na literatura do autor. Onde estaria a carta de número 13? Foi jogada? Foi despedaçada? Foi perdida? Qual seria, sempre fica uma indagação misteriosa, o motivo? Sabe-se que treze, para muitas culturas, significa um número que indica mau presságio. Uma leitura possível, para a inexistência da carta 13, seria o conteúdo da carta 14: "Uma brecha nos muros, finalmente. Palavras desarmadas, sem apelo. Para onde me levas, densa noite? Clarão de negro sol não passa nunca. Fosse bastante pronunciar a noite. É preciso enfrentar a travessia. Como arrancar a pedra da loucura? Fomos arremessados para longe, levados pela força do destino. Talvez adivinhasse a despedida. Encontro-me num campo de ruínas. Preciso dos raios de sol. Como era mesmo a ópera de Mozart? " [19]. Talvez: "Destino acima do destino" [20].Tudo indica, para não incorrermos numa leitura arriscada demais e nos ardis de uma superinterpretação, como diria Eco, e sem referentes, que há uma situação de perigo. Tanto interno quanto externo. Na 12 e na 14. Enfim, a carta 13 inexiste. Quando o leitor, avidamente, busca o desfecho da história de amor, surge, grande surpresa: uma carta de Marina. A carta de número 32. "A casa da praia foi demolida?! Era tão bela e eu te imaginava lá dentro. Linda casa, lindo lugar, linda praia! E a vista da janela era impagável! (...) Não me esqueci de nada, da paisagem deslumbrante e das pessoas que marcaram a minha vida. Espero voltar algum dia. Nada será como antes, é claro. Mas resta sempre descobrir quem somos" [21]. Quando se conhece o conjunto de obras de um autor, impossível não ouvir alguns ressoares: "A casa da rua dos Ipês foi derrubada. E brilha, todavia, enquanto é noite. Não me faltam constelações da memória. Faz escuro, mas a manhã não demora, tão jovem ainda. As ondas seguem seu ofício. Brilha o Sol na rua dos tempos idos. A praia me pertence. E a cada grão de areia, um mundo novo. Flutua a ideia de infinito junto ao mar " [22]. A carta de Marina cria a expectativa de que virão outras da mesma remetente. Mas Lucchesi não concede. Temos acesso somente a uma única carta dela. Isso, seguramente, aguça os nossos sentidos e eleva a tensão do livro. O desfecho final da fascinante história de amor é incrivelmente surpreendente. E isso acontece na carta 39, ou seja, a última: "Eu mergulhei num tempo inabordável. Achados e perdido. A luz feroz do encontro que não houve. Uma promessa aberta, inconclusa. Inquieta obsessão, a despedir-se de teus olhos, que me roubaram deste chão de iniquidades. Crisântemos esparsos. A missa em dó menor. Marina, como Inês, é morta. Escrevo todas as cartas para ressuscitá-la. Ou para morremos juntos. E para juntos recuperarmos a herança imprecisa do futuro. Mundo sem Deus. Com esplêndido futuro luminoso. Vinte anos se passaram, cobertos de silêncio. Um corpo que se agrega à selva dos fenômenos. Deu-se por fim a glória de um destino. As aves migratórias são inquietas" [23]. Sim. Desfecho imprevisível: Celso escreve para uma mulher que já está morta. Ponto alto do livro porque a morte é a consciência fatal e irreversível da finitude. E a imprevisibilidade do desfecho se sobrepõe, ou, intercala-se, se justapõe, queiramos ou não, à leitura que havíamos feito do livro. A morte de Marina muda a primeira leitura. O autor nos leva a reler todas as cartas sob outra perspectiva. Os leitores não têm escapatória. Não percamos de vista as palavras do autor na carta de número 0..."No escuro e no silêncio, as cartas ardilosas não desistem do eterno retorno da leitura" [24]. De fundo, novamente, os ressoares de Broch: "O nada nunca alcançável, a morte fecunda/A que apenas o acaso é semelhante?/ Toda a lei se transforma em acaso, na queda do abismo,/E também tu, ó destino, te tornas acaso, para o acaso/ Subitamente para o crescimento e os ramos do conhecimento/ rebento a nascer do rebento, desintegram-se de súbito/ em destruída linguagem, isolado em objeto,/isolados na palavra, desfeita a ordem, desfeitas a verdade, a comunhão e a unidade" [25]. Mas Lucchesi tem uma boa resposta: "A linha de uma vida é complexa. Não há um modo retilíneo, irreversível, contra um conjunto de incerteza e digressão. O mundo é uma teia emaranhada. Nossos passos traduzem o devir. Nenhum fato é isolado. Tudo é sistema" [26]. Diante do exposto segue-se uma questão importante! A quais ritmos somos levados pelos ardis arquitetônicos labirínticos de Marina ? Os ritmos da obra são predominantemente oscilantes. Deliciosamente oscilantes porque, entre outros fatores, os sons de fundo, em grande parte determinam o ritmo. Nessa medida, acompanhamos, entre idas e vindas, quase bamboleantes, "baleias, bicicletas, corpo feminino em fuga, frios temporais do Atlântico, atravessar a maresia, nademos juntos, não para de chover, ando nas rochas, o vento move as árvores, mar despenteado, terremoto, Mozart, um piano sobrenada na memória, piano voador, selva selvagem que sibila ao vento" e mais centenas de imagens expressivas que dão um tom incrível ao movimento. Ao ritmo do livro. Um ritmo em que as pausas, lacunas e os silêncios predominam. Afoga-se, com isso, a leitura literal. Recua. Silenciosamente. E quando, nós leitores, voltamos à superfície, percebemos que nossos próprios relógios entraram em colapso. O tempo cronológico destoa, descaradamente, de nossos relógios internos. Silêncios, pausas e lacunas dão um aroma muito especial à ausência em si mesma que exige do leitor: imaginação, fantasia, criatividade. Um processo muito presente nos instantes privilegiados que quando escapam, impossível retornar a eles. Por definição como o tempo. Irreversíveis. A densidade poética possui ápices que não podem ficar omitidos. Porque, Marina, os relógios não morrem. Não se dissipa um grão de areia, nem mesmo a gota de suor no rosto perolado. A eternidade aclara a contingência. Ronronam os gatos de outrora. E meus diletos cães põem-se a latir. Poço infinito. Abismo raso. [27] Densidade poética em continuidade + sutilíssima curvatura erótica + "Eros: quando promete ao chegar, desmente ao partir" [28]. E assim [29]: Carta de amor (desesperado) que rasguei: "...pousa nos lábios uma estrela...secreta harmonia...deserto amanhecer...teu corpo inelutável...lagoa iluminada e seios úmidos...bosque sutil...pequena morte...jogo de espelhos e palavras...seu rosto desenhado no meu peito...à mesa um copo de absinto...duas palavras e voltamos a dormir...infame precipício..." Num ressoar distante...muito distante...Yu Xuanji [30]... Carta a um amigo Vastas, inquietas, as ruas sem bons amigos Passam-se os dias, envergo o melhor vestido Frágil no espelho é meu rosto, os soltos cabelos Cobre-me em bruma leve o perfume do incenso É primavera, o desejo encontra-me agora Vejo-me à imagem de ilustres divas de outrora À porta jovens ditosos param seus carros Vergam salgueiros: à hora, flores se abrem. Marco Lucchesi é um escritor, sabidamente, como exposto no início deste texto, e como "comprovam" suas obras, cuja literatura dialoga com as mais diversas fontes de outros saberes, nunca é demais lembrar, conceitualmente. Ou seja, tem propriedade profunda em relação aos seus referenciais que são se prestam a meras epígrafes com pretensos aromas de erudição (elementos em alta nos dias de hoje entre os famosos representantes da 'tudologia'). As múltiplas perspectivas de tempo em Marina, oceanicamente , "flutuam num domínio atemporal"[31], como já colocado, anteriormente, inclusive, na esteira de Broch. Questões de temporalidade cuja concretude se apresentam como sínteses epistemológicas, que mais direta ou indiretamente, se fazem presentes nas obras de Lucchesi. Nessa medida, reforçando o quanto a sua literatura atravessa a filosofia dispersando fronteiras rígidas. Sob ecos mais explícitos, entre muitos outros diretamente ligados à filosofia, de Parmênides e Emanuele Severino, a marcação temporal de Marina nos mostra o quanto o tempo é uma consubstancialização do pensamento, como definiria Jankélévitch. O que é o tempo? "Um corpo em fuga". O tempo seria "um espaço descontínuo"? Em que medida estamos imersos na "jaula do presente" ? O que é duração em termos de Bergson? "Uma viagem de dez metros levou décadas". "Eis, em resumo, os últimos vinte, ou duzentos, anos". "O que são vinte anos no tempo geológico? Não passam de um minuto. Gota no mar, um quase nada, fogo-fátuo". Cronologias? "Passaram-se vinte anos e dois gatos desde a última carta. Perdi a conta dos relógios que morreram". "Presa da escuridão, o dia amanhece". Eternidade? "Meio-dia". "O agora é um índice de eternidade". Tempo cíclico? "retorno da leitura". "Retorno do eterno retorno". Para não ser mais uma vítima de Sartre, não devemos cair, entre outros fatores que abreviam nosso espaço, nas sutis armadilhas da exaustão quando nos propomos a apresentar um livro. Contudo, não podemos deixar de lado o quanto Marco Lucchesi, enquanto grande escritor que é, vai ao encontro, em grande parte, da cosmologia de Peirce. Talvez, uma das mais abrangentes em termos de contemporaneidade. Que ao menos responde, mesmo de forma provisória, algumas insuficiências conceituais a que estamos, miseravelmente, submetidos. A filosofia de Peirce coloca a questão da verdade de forma, talvez, satisfatória. Ou seja, não existem verdades definitivas. Existiria sim, um mundo, ao que tudo indica, que caminha para ela. Lembremos que em Marina a todo momento Marco Lucchesi, nos faz refletir a tal respeito. Lucchesi coloca indagações que não são respondidas. Joga-as para que seu leitor reflita juntamente com ele. Na cosmologia de Peirce sujeito e objeto estão juntos. Acredita ele, de forma severamente fundamentada, este grande estudioso de Kant, Schelling e Schiller – naturalmente entre outros – que existe uma atemporalidade entre sujeito e objeto que os faz ficar em perfeita simetria. Existiria uma descontinuidade temporal em que passado e futuro desaparecem. Tal descontinuidade se daria entre o interno e o externo. Nessa medida, rompe-se o tempo objetivo, assim como na subjetividade existiria um hiato de temporalidade na própria consciência e que, por incrível que pareça, ficaria isolado da experiência de alteridade do mundo. Enfim, pura qualidade na unidade. O agora como pura presentidade. Sob tal perspectiva, Marina se mostra como um exemplo fascinante do denominado continuum de possibilidades. Portanto, sentimento de liberdade indefinida e infinita que somente poderá ocorrer sob o domínio de um hiato interior de temporalidade. Em Marina, assim nos parece, dissolvem-se, conceitualmente, as famosas dicotomias entre subjetividade e objetividade. Ouçamos Lucchesi: "Sujeito e objeto não se sustentam numa oposição dramática. Uma incursão de subjetividades, a descoberta especular de um conteúdo crescente, de um contínuo insolúvel, que os afasta e os aproxima" [32]. Para a leitura de um livro como Marina e das verdadeiras obras artísticas em geral, por lembrar veementemente de Ivo Assad Ibri , não basta um olhar apenas referencial. Requer-se, e isso não está disponível em todas as almas, um certo estado poético. Graus de sensibilidade estética. Cremos que somente desta forma poderemos, de fato, atravessar sentidos mais profundos e agudos daquilo ao qual nos dispusemos a compreender. S. 1 Não esquecer as mãos sujas de Sartre e os sem-culpa (Schuldlosen) de Broch. [33] S. 2 [Tosse, 2020 Não tenho febre. Olho de longe as pedras de Itacoatiara. Deito-me no chão e olho o azul do céu. A passagem das nuvens me fascina desde a infância. Como se um deus legislasse o azul. Uma tosse de leve. Páginas de Boccacio.] [34] [1] Sartre, Jean-Paul. O que é a literatura?. Tradução de Carlos Felipe Moisés. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. p. 32. [2] Lucchesi, Marco. Poeta do Diálogo. São Paulo: Tesseractum/ Fundarte, 2022. p. 139. [3] Lucchesi, Marco. Marina. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023. p. 26. [4] https://portal.sft.jus.br/.noticias/. [5] Marina. p. 13. [6] Lucchesi, Marco: organização e apresentação. As dez melhores histórias do Decamerão/Giovanni Boccaccio. Tradução de Raul de Polillo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021. p. 7. [7] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. São Paulo: Tesseractum, 2023. p. 73. [8] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. In prefácio. p. 7. [9] Idem, Marina, p. 13. [10] Idem. [11] Yourcenar, Marguerite. Memórias de Adriano. Tradução de Martha Calderaro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. p. 36. [12] Ramos, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 78. [13] Marco Lucchesi. Carteiro Imaterial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. p. 16. [14] Silveira, Nise da. Viagem a Florença: carta de Nise da Silveira a Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. p. 29. [15] À sombra da amizade: cartas de Israel Pedrosa a Marco Lucchesi. Niterói: Eduff, 2021. p. 105. [16] Broch, Hermann. A Morte de Virgílio. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Lisboa: Relógio D'Água, 2014. p. 101. [17] Lucchesi, Marco. Marina. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2023. p. 31. [18] Miranda, Ana. In Posfácio Marina, p. 101. [19] Marina, p.45. [20] Lucchesi, Marco. In: Prefácio da obra Doutor Jivago de Boris Pasternak. Tradução de Zoia Prestes. Rio de Janeiro: BestBolso, 2014. p. 12. [21] Marina, p. 81. [22] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. São Paulo: Tesseractum Editorial, 2023. p. 157. [23] Marina, p. 95. [24] Marina, p. 15. [25] Broch, Hermann, p. 160. [26] Marina, p. 27. [27] Idem, p. 96. [28] Lucchesi, Marco. Paisagem Lunar. p. 60. [29] Idem, p. 86. [30] Xuanji, Yu [844-869]. Poesia Completa. Tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao. São Paulo: UNESP, 2011. p.119. [31] Marina, p. 49. [32] Paisagem Lunar, p. 76. [33] Paisagem Lunar, p. 233. [34] Lucchesi, Marco. Adeus, Pirandello. Santo André (SP): Rua do Sabão, 2022. p. 64.