{"title":"自由裁量权和行政行为的撤销","authors":"Carlos Ari Sundfeld","doi":"10.48143/rdai/06.cas","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"1 Revogação dos atos administrativo: ideia geral \nSe a discricionariedade é o tema, em direito administrativo, mais inçado de dificuldades e de deslinde mais importante para a construção de um sistema afinado com o Estado de Direito, dentro dele a revogação é o ponto culminante, seja pela delicadeza dos problemas que propõe, seja pela repercussão prática deles no universo jurídico dos administrados.1 \nReconhece-se o poder de a Administração Pública extinguir as relações jurídicas nascidas dos atos concretos que anteriormente tenha produzido, ou suprimir os atos abstratos, com eficácia ex nunc, para atender o interesse público, efetuando, para determiná-lo, uma apreciação discricionária. \nO poder de revogar2 deflui – salvo autorização expressa da lei para a retirada – da própria regra de competência que autoriza a emanação do ato, desde que referida competência se mantenha, é dizer, não se esgote com a anterior prática do ato. Daí não poderem ser revogados, dado o exaurimento da competência, dada a indisponibilidade posterior da autoridade sobre os efeitos do ato que praticou: os atos de controle, os atos cujos efeitos derivam exclusivamente da lei (meros atos administrativos), os atos cujos efeitos já se tenham esgotado, os atos integrantes de procedimento, os atos complexos, os atos que gerem direitos adquiridos e os atos praticados no exercício de competência vinculada. \nQuanto a estes últimos, compreende-se a impossibilidade de revogar. Se um ato é vinculado, vale dizer, se a autoridade, ao praticá-lo, nada mais fez que constatar a ocorrência dos pressupostos descritos com precisão pela lei e autorizadores de sua produção, esgotou-se ali sua competência. Pois se a lei fornece, com exatidão, todos os critérios a serem levados em conta, se descreve perfeitamente os requisitos e finalidades do ato, é porque com antecedência podia prever que, uma vez presentes estes, o interesse público seria atendido se praticado o ato. Logo, se ele viesse a ser extinto posteriormente (e não por uma causa natural), a partir de então o interesse público estaria desatendido, eis que, por definição, este só seria alcançado com o ato. Daí que, nos atos vinculados, não conserva a autoridade a competência para continuar provendo na matéria: seu poder é sempre ligado ao interesse público; atingido este, se esgota. Caso contrário, possuiria, por absurdo, uma competência cujo único exercício possível se daria contra o interesse público, por atacar ato que o ordenamento antecipadamente definiu como o único apto a atender aquele interesse. \nSó existe, portanto, possibilidade de revogar com referência a atos emanados no exercício de competência discricionária. \nA questão que se põe, a partir daqui, é saber se qualquer ato produzido após apreciação discricionária – e que não esteja incluído entre aqueles cuja revogação já se disse impossível – é suscetível de revogação. Em uma palavra: se a discricionariedade originária na disponibilidade do ato pela Administração, ou se esta disponibilidade tem algum outro condicionamento. \n \n \n2 Discricionariedade: liberdade administrativa? \nPara estabelecer premissas corretas à análise da questão, é preciso compreender qual o significado da discricionariedade administrativa. \nCostuma-se entender discricionariedade a discricionariedade como uma liberdade que a Administração possui de escolher o momento, a forma, o motivo, o objeto, enfim, a conveniência e oportunidade de seus atos, naquelas hipóteses em que a lei não os estabeleça com exatidão. \nParece, desta formulação, que a discricionariedade seria como que um persistente resquício do Estado Polícia. De fato, neste, a Administração era livre, no sentido de que não via seu comportamento condicionado, sequer limitado, pela lei. \nMas não se pode confundir a “liberdade” que possa existir para a Administração Pública no Estado de Direito com aquela que desfrutava antes dele. 3 O Estado de Direito, com a adoção da tripartição de funções e do postulado da supremacia da lei, criou uma sujeição jurídica para o administrador: o princípio da legalidade, pelo qual ele só pode agir se houver lei autorizadora e deve fazê-lo nos estreitos limites da autorização. Se acaso resulta, ainda, em Estado de Direito, alguma “liberdade” para a Administração, há de ser certamente algo bem diverso daquela existente no Estado Polícia. Antes, liberdade por falta de lei, agora “liberdade” por força da lei. \nRessalta-se devidamente que, se “liberdade” ainda há, não se trata de liberdade apesar da lei – em outros termos: resultante de um espaço não normado, no atingido pela lei – mas “liberdade” por força da lei, isto é, liberdade que a lei, por alguma razão, concede à Administração. E nem poderia ser diferente, eis que, se ao administrador só se reconhecem aqueles poderes expressamente outorgados por lei, a ausência dela não pode significar outorga de poderes, mas antes negação deles. \nContudo, não se há de falar em “liberdade” administrativa. Esta expressão é totalmente inconveniente para explicar a discricionariedade, isto é, para designar o poder que a Administração pode ter de, no caso concreto, apreciar subjetivamente se estão presentes os pressupostos fixados pela lei como autorizadores da emanação do ato. Liberdade é mais propriamente, uma faculdade de agir limitada apenas negativamente, um poder de ação jurídica reconhecido aos sujeitos privados, que estes exercem no seu próprio interesse. A liberdade, juridicamente, pode ser entendida como um poder que resulta da ausência de proibições. É a ideia essencial do direito privado. \n \n \n3 Requisitos do ato no Direito Privado: defesa da liberdade do sujeito \nPor que o Direito Privado gira em torno da liberdade, é que a lei só estabelece requisitos intrínsecos para a validade dos atos privados.4 A capacidade, a forma, são pressupostos cuja presença se exige para garantir que o ato seja sempre expressão fiel da vontade do sujeito. Em outros termos, existem para assegurara a liberdade efetiva. Já no Direito Público, a lei estabelece extrínsecos para a validade do ato, voltados a tutelar, não a vontade do agente, mas uma vontade superior, a da própria lei. \nPercebe-se a diferença: no Direito Público, o agente é mero intermediário entre a lei e o ato, necessário apenas para que uma vontade abstrata (a da lei) se concretize (no ato); daí que a lei fixe requisitos para garantir – contra o próprio agente – que o ato seja espelho fiel da vontade legislativa. No Direito Privado, é a lei que se põe como intermediário entre o sujeito e seu ato, necessária apenas para que a vontade concreta (do sujeito) se transfira para o ato; daí que a lei fixe requisitos para garantir – a favor do próprio sujeito – que o ato seja espelho fiel da vontade individual. \nEntão, confira-se. O Código Civil (LGL\\2002\\400) arrola como fatores de nulidade ou anulabilidade do ato jurídico (arts. 145 e 147): \na ilicitude do objeto (porque o sujeito haveria desbordado de seu campo de liberdade, para atuar em zona proibida); \na ocorrência de vícios sociais, como a simulação e a fraude (em que o sujeito pretendeu violar a lei e os direitos de terceiros, atuando, assim contra proibição de lei); \na incapacidade do sujeito (porque o incapaz ou não tem aptidão para formar sua vontade, ou não tem para exprimi-la); \na ocorrência de vícios da vontade, como a coação, o erro, o dolo (onde a vontade não foi livre, mas viciada por elemento externo indesejado); \na preterição de forma ou solenidades previstas em lei (pelos prejuízos que traz à adequada formação ou expressão da vontade ou à prova posterior dela). \nOs requisitos do chamado ato jurídico, que nada mais é que o ato de Direito Privado, ou se destinam a impedir que o sujeito fira a lei, ultrapasse seu campo de liberdade, ou a garantir o pleno exercício da liberdade. Não há requisitos quanto ao conteúdo ou a finalidade: estes o sujeito escolhe, justamente porque é livre. \n \n \n4 Requisitos do ato no Direito Administrativo: defesa da vontade da lei \nNo Direito Administrativo, os requisitos de validade do ato são sempre voltados à garantia da efetiva realização de um vontade e finalidade exteriores do sujeito. O ordenamento estipula o conteúdo, a finalidade, os motivos do ato, e ao agente cabe a transposição desses requisitos, abstratamente previstos, para o mundo concreto. \nSe todo poder emana do povo (CF (LGL\\1988\\3), art. 1º, § 1º), segue-se que é ele quem tem a liberdade para a escolha das finalidades do agir estatal. E esta escolha, feita indiretamente através dos representantes legislativos, se consubstancia na lei. É a lei o fruto do exercício da liberdade. Não o ato administrativo. \nE nem seria possível explicar a discricionariedade justamente como uma delegação, feita pela lei ao administrador, daquela liberdade que o povo exerce através do legislador. São indelegáveis as funções entre os poderes legislativo, executivo e judiciário (CF (LGL\\1988\\3), art. 6º, parágrafo único). \nDaí inexistir liberdade para o administrador, mesmo que, por imprecisão da lei, lhe caiba determinar no caso concreto, no uso de critérios subjetivos próprios, qual seria a vontade da lei se ela tivesse defrontado com aquele específico caso. E não há liberdade porque a atuação da vontade do agente será meramente instrumental para a realização da vontade da lei. A vontade do agente não é um valor em si mesmo, como no Direito Privado, mas um necessário instrumento para a realização da vontade da lei. \nA exigência de discricionariedade, em suma, não importa em liberdade, em poder de ação do agente limitado apenas negativamente, mas ainda em função, em dever-poder de ação condicionado positivamente por interesses públicos, exatamente como se passa na vinculação. Haja discricionariedade ou vinculação, a atividade do administrador será sempre uma “atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais”, nas preciosas palavras de Queiró.5 Do fato de que, ao realizar a subsunção, o agente pode ser obrigado a fazer uma apreciação voliti","PeriodicalId":443400,"journal":{"name":"RDAI | Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura","volume":"56 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2018-09-30","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"1","resultStr":"{\"title\":\"Discricionariedade e revogação do ato administrativo\",\"authors\":\"Carlos Ari Sundfeld\",\"doi\":\"10.48143/rdai/06.cas\",\"DOIUrl\":null,\"url\":null,\"abstract\":\"1 Revogação dos atos administrativo: ideia geral \\nSe a discricionariedade é o tema, em direito administrativo, mais inçado de dificuldades e de deslinde mais importante para a construção de um sistema afinado com o Estado de Direito, dentro dele a revogação é o ponto culminante, seja pela delicadeza dos problemas que propõe, seja pela repercussão prática deles no universo jurídico dos administrados.1 \\nReconhece-se o poder de a Administração Pública extinguir as relações jurídicas nascidas dos atos concretos que anteriormente tenha produzido, ou suprimir os atos abstratos, com eficácia ex nunc, para atender o interesse público, efetuando, para determiná-lo, uma apreciação discricionária. \\nO poder de revogar2 deflui – salvo autorização expressa da lei para a retirada – da própria regra de competência que autoriza a emanação do ato, desde que referida competência se mantenha, é dizer, não se esgote com a anterior prática do ato. Daí não poderem ser revogados, dado o exaurimento da competência, dada a indisponibilidade posterior da autoridade sobre os efeitos do ato que praticou: os atos de controle, os atos cujos efeitos derivam exclusivamente da lei (meros atos administrativos), os atos cujos efeitos já se tenham esgotado, os atos integrantes de procedimento, os atos complexos, os atos que gerem direitos adquiridos e os atos praticados no exercício de competência vinculada. \\nQuanto a estes últimos, compreende-se a impossibilidade de revogar. Se um ato é vinculado, vale dizer, se a autoridade, ao praticá-lo, nada mais fez que constatar a ocorrência dos pressupostos descritos com precisão pela lei e autorizadores de sua produção, esgotou-se ali sua competência. Pois se a lei fornece, com exatidão, todos os critérios a serem levados em conta, se descreve perfeitamente os requisitos e finalidades do ato, é porque com antecedência podia prever que, uma vez presentes estes, o interesse público seria atendido se praticado o ato. Logo, se ele viesse a ser extinto posteriormente (e não por uma causa natural), a partir de então o interesse público estaria desatendido, eis que, por definição, este só seria alcançado com o ato. Daí que, nos atos vinculados, não conserva a autoridade a competência para continuar provendo na matéria: seu poder é sempre ligado ao interesse público; atingido este, se esgota. Caso contrário, possuiria, por absurdo, uma competência cujo único exercício possível se daria contra o interesse público, por atacar ato que o ordenamento antecipadamente definiu como o único apto a atender aquele interesse. \\nSó existe, portanto, possibilidade de revogar com referência a atos emanados no exercício de competência discricionária. \\nA questão que se põe, a partir daqui, é saber se qualquer ato produzido após apreciação discricionária – e que não esteja incluído entre aqueles cuja revogação já se disse impossível – é suscetível de revogação. Em uma palavra: se a discricionariedade originária na disponibilidade do ato pela Administração, ou se esta disponibilidade tem algum outro condicionamento. \\n \\n \\n2 Discricionariedade: liberdade administrativa? \\nPara estabelecer premissas corretas à análise da questão, é preciso compreender qual o significado da discricionariedade administrativa. \\nCostuma-se entender discricionariedade a discricionariedade como uma liberdade que a Administração possui de escolher o momento, a forma, o motivo, o objeto, enfim, a conveniência e oportunidade de seus atos, naquelas hipóteses em que a lei não os estabeleça com exatidão. \\nParece, desta formulação, que a discricionariedade seria como que um persistente resquício do Estado Polícia. De fato, neste, a Administração era livre, no sentido de que não via seu comportamento condicionado, sequer limitado, pela lei. \\nMas não se pode confundir a “liberdade” que possa existir para a Administração Pública no Estado de Direito com aquela que desfrutava antes dele. 3 O Estado de Direito, com a adoção da tripartição de funções e do postulado da supremacia da lei, criou uma sujeição jurídica para o administrador: o princípio da legalidade, pelo qual ele só pode agir se houver lei autorizadora e deve fazê-lo nos estreitos limites da autorização. Se acaso resulta, ainda, em Estado de Direito, alguma “liberdade” para a Administração, há de ser certamente algo bem diverso daquela existente no Estado Polícia. Antes, liberdade por falta de lei, agora “liberdade” por força da lei. \\nRessalta-se devidamente que, se “liberdade” ainda há, não se trata de liberdade apesar da lei – em outros termos: resultante de um espaço não normado, no atingido pela lei – mas “liberdade” por força da lei, isto é, liberdade que a lei, por alguma razão, concede à Administração. E nem poderia ser diferente, eis que, se ao administrador só se reconhecem aqueles poderes expressamente outorgados por lei, a ausência dela não pode significar outorga de poderes, mas antes negação deles. \\nContudo, não se há de falar em “liberdade” administrativa. Esta expressão é totalmente inconveniente para explicar a discricionariedade, isto é, para designar o poder que a Administração pode ter de, no caso concreto, apreciar subjetivamente se estão presentes os pressupostos fixados pela lei como autorizadores da emanação do ato. Liberdade é mais propriamente, uma faculdade de agir limitada apenas negativamente, um poder de ação jurídica reconhecido aos sujeitos privados, que estes exercem no seu próprio interesse. A liberdade, juridicamente, pode ser entendida como um poder que resulta da ausência de proibições. É a ideia essencial do direito privado. \\n \\n \\n3 Requisitos do ato no Direito Privado: defesa da liberdade do sujeito \\nPor que o Direito Privado gira em torno da liberdade, é que a lei só estabelece requisitos intrínsecos para a validade dos atos privados.4 A capacidade, a forma, são pressupostos cuja presença se exige para garantir que o ato seja sempre expressão fiel da vontade do sujeito. Em outros termos, existem para assegurara a liberdade efetiva. Já no Direito Público, a lei estabelece extrínsecos para a validade do ato, voltados a tutelar, não a vontade do agente, mas uma vontade superior, a da própria lei. \\nPercebe-se a diferença: no Direito Público, o agente é mero intermediário entre a lei e o ato, necessário apenas para que uma vontade abstrata (a da lei) se concretize (no ato); daí que a lei fixe requisitos para garantir – contra o próprio agente – que o ato seja espelho fiel da vontade legislativa. No Direito Privado, é a lei que se põe como intermediário entre o sujeito e seu ato, necessária apenas para que a vontade concreta (do sujeito) se transfira para o ato; daí que a lei fixe requisitos para garantir – a favor do próprio sujeito – que o ato seja espelho fiel da vontade individual. \\nEntão, confira-se. O Código Civil (LGL\\\\2002\\\\400) arrola como fatores de nulidade ou anulabilidade do ato jurídico (arts. 145 e 147): \\na ilicitude do objeto (porque o sujeito haveria desbordado de seu campo de liberdade, para atuar em zona proibida); \\na ocorrência de vícios sociais, como a simulação e a fraude (em que o sujeito pretendeu violar a lei e os direitos de terceiros, atuando, assim contra proibição de lei); \\na incapacidade do sujeito (porque o incapaz ou não tem aptidão para formar sua vontade, ou não tem para exprimi-la); \\na ocorrência de vícios da vontade, como a coação, o erro, o dolo (onde a vontade não foi livre, mas viciada por elemento externo indesejado); \\na preterição de forma ou solenidades previstas em lei (pelos prejuízos que traz à adequada formação ou expressão da vontade ou à prova posterior dela). \\nOs requisitos do chamado ato jurídico, que nada mais é que o ato de Direito Privado, ou se destinam a impedir que o sujeito fira a lei, ultrapasse seu campo de liberdade, ou a garantir o pleno exercício da liberdade. Não há requisitos quanto ao conteúdo ou a finalidade: estes o sujeito escolhe, justamente porque é livre. \\n \\n \\n4 Requisitos do ato no Direito Administrativo: defesa da vontade da lei \\nNo Direito Administrativo, os requisitos de validade do ato são sempre voltados à garantia da efetiva realização de um vontade e finalidade exteriores do sujeito. O ordenamento estipula o conteúdo, a finalidade, os motivos do ato, e ao agente cabe a transposição desses requisitos, abstratamente previstos, para o mundo concreto. \\nSe todo poder emana do povo (CF (LGL\\\\1988\\\\3), art. 1º, § 1º), segue-se que é ele quem tem a liberdade para a escolha das finalidades do agir estatal. E esta escolha, feita indiretamente através dos representantes legislativos, se consubstancia na lei. É a lei o fruto do exercício da liberdade. Não o ato administrativo. \\nE nem seria possível explicar a discricionariedade justamente como uma delegação, feita pela lei ao administrador, daquela liberdade que o povo exerce através do legislador. São indelegáveis as funções entre os poderes legislativo, executivo e judiciário (CF (LGL\\\\1988\\\\3), art. 6º, parágrafo único). \\nDaí inexistir liberdade para o administrador, mesmo que, por imprecisão da lei, lhe caiba determinar no caso concreto, no uso de critérios subjetivos próprios, qual seria a vontade da lei se ela tivesse defrontado com aquele específico caso. E não há liberdade porque a atuação da vontade do agente será meramente instrumental para a realização da vontade da lei. A vontade do agente não é um valor em si mesmo, como no Direito Privado, mas um necessário instrumento para a realização da vontade da lei. \\nA exigência de discricionariedade, em suma, não importa em liberdade, em poder de ação do agente limitado apenas negativamente, mas ainda em função, em dever-poder de ação condicionado positivamente por interesses públicos, exatamente como se passa na vinculação. Haja discricionariedade ou vinculação, a atividade do administrador será sempre uma “atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais”, nas preciosas palavras de Queiró.5 Do fato de que, ao realizar a subsunção, o agente pode ser obrigado a fazer uma apreciação voliti\",\"PeriodicalId\":443400,\"journal\":{\"name\":\"RDAI | Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura\",\"volume\":\"56 1\",\"pages\":\"0\"},\"PeriodicalIF\":0.0000,\"publicationDate\":\"2018-09-30\",\"publicationTypes\":\"Journal Article\",\"fieldsOfStudy\":null,\"isOpenAccess\":false,\"openAccessPdf\":\"\",\"citationCount\":\"1\",\"resultStr\":null,\"platform\":\"Semanticscholar\",\"paperid\":null,\"PeriodicalName\":\"RDAI | Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura\",\"FirstCategoryId\":\"1085\",\"ListUrlMain\":\"https://doi.org/10.48143/rdai/06.cas\",\"RegionNum\":0,\"RegionCategory\":null,\"ArticlePicture\":[],\"TitleCN\":null,\"AbstractTextCN\":null,\"PMCID\":null,\"EPubDate\":\"\",\"PubModel\":\"\",\"JCR\":\"\",\"JCRName\":\"\",\"Score\":null,\"Total\":0}","platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"RDAI | Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.48143/rdai/06.cas","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
Discricionariedade e revogação do ato administrativo
1 Revogação dos atos administrativo: ideia geral
Se a discricionariedade é o tema, em direito administrativo, mais inçado de dificuldades e de deslinde mais importante para a construção de um sistema afinado com o Estado de Direito, dentro dele a revogação é o ponto culminante, seja pela delicadeza dos problemas que propõe, seja pela repercussão prática deles no universo jurídico dos administrados.1
Reconhece-se o poder de a Administração Pública extinguir as relações jurídicas nascidas dos atos concretos que anteriormente tenha produzido, ou suprimir os atos abstratos, com eficácia ex nunc, para atender o interesse público, efetuando, para determiná-lo, uma apreciação discricionária.
O poder de revogar2 deflui – salvo autorização expressa da lei para a retirada – da própria regra de competência que autoriza a emanação do ato, desde que referida competência se mantenha, é dizer, não se esgote com a anterior prática do ato. Daí não poderem ser revogados, dado o exaurimento da competência, dada a indisponibilidade posterior da autoridade sobre os efeitos do ato que praticou: os atos de controle, os atos cujos efeitos derivam exclusivamente da lei (meros atos administrativos), os atos cujos efeitos já se tenham esgotado, os atos integrantes de procedimento, os atos complexos, os atos que gerem direitos adquiridos e os atos praticados no exercício de competência vinculada.
Quanto a estes últimos, compreende-se a impossibilidade de revogar. Se um ato é vinculado, vale dizer, se a autoridade, ao praticá-lo, nada mais fez que constatar a ocorrência dos pressupostos descritos com precisão pela lei e autorizadores de sua produção, esgotou-se ali sua competência. Pois se a lei fornece, com exatidão, todos os critérios a serem levados em conta, se descreve perfeitamente os requisitos e finalidades do ato, é porque com antecedência podia prever que, uma vez presentes estes, o interesse público seria atendido se praticado o ato. Logo, se ele viesse a ser extinto posteriormente (e não por uma causa natural), a partir de então o interesse público estaria desatendido, eis que, por definição, este só seria alcançado com o ato. Daí que, nos atos vinculados, não conserva a autoridade a competência para continuar provendo na matéria: seu poder é sempre ligado ao interesse público; atingido este, se esgota. Caso contrário, possuiria, por absurdo, uma competência cujo único exercício possível se daria contra o interesse público, por atacar ato que o ordenamento antecipadamente definiu como o único apto a atender aquele interesse.
Só existe, portanto, possibilidade de revogar com referência a atos emanados no exercício de competência discricionária.
A questão que se põe, a partir daqui, é saber se qualquer ato produzido após apreciação discricionária – e que não esteja incluído entre aqueles cuja revogação já se disse impossível – é suscetível de revogação. Em uma palavra: se a discricionariedade originária na disponibilidade do ato pela Administração, ou se esta disponibilidade tem algum outro condicionamento.
2 Discricionariedade: liberdade administrativa?
Para estabelecer premissas corretas à análise da questão, é preciso compreender qual o significado da discricionariedade administrativa.
Costuma-se entender discricionariedade a discricionariedade como uma liberdade que a Administração possui de escolher o momento, a forma, o motivo, o objeto, enfim, a conveniência e oportunidade de seus atos, naquelas hipóteses em que a lei não os estabeleça com exatidão.
Parece, desta formulação, que a discricionariedade seria como que um persistente resquício do Estado Polícia. De fato, neste, a Administração era livre, no sentido de que não via seu comportamento condicionado, sequer limitado, pela lei.
Mas não se pode confundir a “liberdade” que possa existir para a Administração Pública no Estado de Direito com aquela que desfrutava antes dele. 3 O Estado de Direito, com a adoção da tripartição de funções e do postulado da supremacia da lei, criou uma sujeição jurídica para o administrador: o princípio da legalidade, pelo qual ele só pode agir se houver lei autorizadora e deve fazê-lo nos estreitos limites da autorização. Se acaso resulta, ainda, em Estado de Direito, alguma “liberdade” para a Administração, há de ser certamente algo bem diverso daquela existente no Estado Polícia. Antes, liberdade por falta de lei, agora “liberdade” por força da lei.
Ressalta-se devidamente que, se “liberdade” ainda há, não se trata de liberdade apesar da lei – em outros termos: resultante de um espaço não normado, no atingido pela lei – mas “liberdade” por força da lei, isto é, liberdade que a lei, por alguma razão, concede à Administração. E nem poderia ser diferente, eis que, se ao administrador só se reconhecem aqueles poderes expressamente outorgados por lei, a ausência dela não pode significar outorga de poderes, mas antes negação deles.
Contudo, não se há de falar em “liberdade” administrativa. Esta expressão é totalmente inconveniente para explicar a discricionariedade, isto é, para designar o poder que a Administração pode ter de, no caso concreto, apreciar subjetivamente se estão presentes os pressupostos fixados pela lei como autorizadores da emanação do ato. Liberdade é mais propriamente, uma faculdade de agir limitada apenas negativamente, um poder de ação jurídica reconhecido aos sujeitos privados, que estes exercem no seu próprio interesse. A liberdade, juridicamente, pode ser entendida como um poder que resulta da ausência de proibições. É a ideia essencial do direito privado.
3 Requisitos do ato no Direito Privado: defesa da liberdade do sujeito
Por que o Direito Privado gira em torno da liberdade, é que a lei só estabelece requisitos intrínsecos para a validade dos atos privados.4 A capacidade, a forma, são pressupostos cuja presença se exige para garantir que o ato seja sempre expressão fiel da vontade do sujeito. Em outros termos, existem para assegurara a liberdade efetiva. Já no Direito Público, a lei estabelece extrínsecos para a validade do ato, voltados a tutelar, não a vontade do agente, mas uma vontade superior, a da própria lei.
Percebe-se a diferença: no Direito Público, o agente é mero intermediário entre a lei e o ato, necessário apenas para que uma vontade abstrata (a da lei) se concretize (no ato); daí que a lei fixe requisitos para garantir – contra o próprio agente – que o ato seja espelho fiel da vontade legislativa. No Direito Privado, é a lei que se põe como intermediário entre o sujeito e seu ato, necessária apenas para que a vontade concreta (do sujeito) se transfira para o ato; daí que a lei fixe requisitos para garantir – a favor do próprio sujeito – que o ato seja espelho fiel da vontade individual.
Então, confira-se. O Código Civil (LGL\2002\400) arrola como fatores de nulidade ou anulabilidade do ato jurídico (arts. 145 e 147):
a ilicitude do objeto (porque o sujeito haveria desbordado de seu campo de liberdade, para atuar em zona proibida);
a ocorrência de vícios sociais, como a simulação e a fraude (em que o sujeito pretendeu violar a lei e os direitos de terceiros, atuando, assim contra proibição de lei);
a incapacidade do sujeito (porque o incapaz ou não tem aptidão para formar sua vontade, ou não tem para exprimi-la);
a ocorrência de vícios da vontade, como a coação, o erro, o dolo (onde a vontade não foi livre, mas viciada por elemento externo indesejado);
a preterição de forma ou solenidades previstas em lei (pelos prejuízos que traz à adequada formação ou expressão da vontade ou à prova posterior dela).
Os requisitos do chamado ato jurídico, que nada mais é que o ato de Direito Privado, ou se destinam a impedir que o sujeito fira a lei, ultrapasse seu campo de liberdade, ou a garantir o pleno exercício da liberdade. Não há requisitos quanto ao conteúdo ou a finalidade: estes o sujeito escolhe, justamente porque é livre.
4 Requisitos do ato no Direito Administrativo: defesa da vontade da lei
No Direito Administrativo, os requisitos de validade do ato são sempre voltados à garantia da efetiva realização de um vontade e finalidade exteriores do sujeito. O ordenamento estipula o conteúdo, a finalidade, os motivos do ato, e ao agente cabe a transposição desses requisitos, abstratamente previstos, para o mundo concreto.
Se todo poder emana do povo (CF (LGL\1988\3), art. 1º, § 1º), segue-se que é ele quem tem a liberdade para a escolha das finalidades do agir estatal. E esta escolha, feita indiretamente através dos representantes legislativos, se consubstancia na lei. É a lei o fruto do exercício da liberdade. Não o ato administrativo.
E nem seria possível explicar a discricionariedade justamente como uma delegação, feita pela lei ao administrador, daquela liberdade que o povo exerce através do legislador. São indelegáveis as funções entre os poderes legislativo, executivo e judiciário (CF (LGL\1988\3), art. 6º, parágrafo único).
Daí inexistir liberdade para o administrador, mesmo que, por imprecisão da lei, lhe caiba determinar no caso concreto, no uso de critérios subjetivos próprios, qual seria a vontade da lei se ela tivesse defrontado com aquele específico caso. E não há liberdade porque a atuação da vontade do agente será meramente instrumental para a realização da vontade da lei. A vontade do agente não é um valor em si mesmo, como no Direito Privado, mas um necessário instrumento para a realização da vontade da lei.
A exigência de discricionariedade, em suma, não importa em liberdade, em poder de ação do agente limitado apenas negativamente, mas ainda em função, em dever-poder de ação condicionado positivamente por interesses públicos, exatamente como se passa na vinculação. Haja discricionariedade ou vinculação, a atividade do administrador será sempre uma “atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais”, nas preciosas palavras de Queiró.5 Do fato de que, ao realizar a subsunção, o agente pode ser obrigado a fazer uma apreciação voliti