{"title":"A OBJEÇÃO DA CONSCIÊNCIA NO EXERCÍCIO DA MEDICINA","authors":"Regiane Nistler, M. Machado","doi":"10.31517/rsa.v4i9.350","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"The present study aimed to investigate the conscientious objection in the practice of medicine, limiting itself to a specific situation and establishing the following problem: what are the limits of the physician's conscientious objection in the refusal to perform or collaborate in pregnancy termination procedures? It is necessary to state that, under Brazilian law, abortion is only allowed in cases of rape, imminent risk of death to the mother and pregnancy of an anencephalic 1 Doutoranda em Direito pela Universidade Estácio de Sá – UNESA-RJ, Mestre em Direito, Democracia e Sustentabilidade pela Faculdade Meridional IMED, Passo Fundo RS. E-mail: regianenistler@outlook.com 2 Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajai. Juiz de Direito da Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. REGIANE NISTLER, MARCO AUGUSTO GHISI MACHADO vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 182 fetus. The doctor is assured the right to conscientious objection, even with restrictions on his practice, as it should not endanger the life of a third party. It is concluded that the medical professional is not required to provide services that contradict their conscience, except in cases of urgency or emergency or when refusal may harm the patient's health. The approach method used in this work was the deductive. Key-words: Conscientious objection. Medical profession. Right to life. Abortion. Introdução A conduta médica exige várias responsabilidades: científicas, técnicas, morais, éticas, sociais, civis, criminais e disciplinares, todas unificadas pelo conceito de responsabilidade médica, entendida como a obrigação de arcar com as consequências de um comportamento, um fato ou um ato médico, aceito e executado por um profissional médico livremente. Todo esse conjunto de ideias é presidido pela consciência individual, isto é, o conhecimento íntimo do bem a se alcançar e o mal a evitar, ou seja, o conhecimento exato e reflexivo dos assuntos e conteúdos relacionados à saúde. Por conseguinte, entende-se por objeção de consciência na medicina, a recusa em executar um procedimento médico, direta ou indiretamente cooperar na sua implementação mesmo que tal procedimento tenha sido aprovado pelas normas legais por motivos morais, éticos ou religiosos. Essa objeção pode ocorrer no caso de interrupção da gravidez, quando tal procedimento é legalmente autorizado. Em razão da complexidade das decisões médico-paciente e suas possíveis consequências contra a prática da objeção de consciência, surge a necessidade de um estudo jurídico minucioso sobre o assunto que intenciona o presente trabalho. Especificamente este estudo objetivou analisar o constitucionalismo e a objeção de consciência, estudando: os direitos fundamentais na perspectiva constitucional; o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida, elencados na CF/88, e o panorama histórico da objeção de consciência. Em relação à objeção de consciência médica, no procedimento de interrupção da gravidez que é o núcleo do ensaio em tela, verificou-se que o médico pode, conscienciosamente, opor-se a um pedido de aborto. Objeções A OBJEÇÃO DA CONSCIÊNCIA NO EXERCÍCIO DA MEDICINA: OS CASOS DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ EM FACE DO DIREITO HUMANO À VIDA vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 183 só podem ser motivadas por crenças particulares, como no caso das crenças religiosas. O médico não pode julgar que a narrativa do estupro não é verídica, uma vez que há uma “presunção de veracidade na palavra da mulher”. Ao alegar a objeção de consciência, o médico deve solicitar autorização para não cumprir a sua obrigação. A mulher deve ser atendida por outro médico. Orientações técnicas do Ministério da Saúde não reconhecem o direito à objeção de consciência, quando existe um risco de morte, quando não há nenhum outro médico ou quando a falta de atenção médica prejudica as mulheres, mas os casos recentes revelam a não-adesão ao critério normativo. O presente estudo se encerra com as considerações finais em que são sintetizadas as contribuições sobre a objeção de consciência no exercício da medicina nos casos de interrupção de gravidez. 1. O constitucionalismo e a objeção de consciência 1.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL Desde os primórdios da história, a vida em sociedade quase sempre foi caracterizada por constantes conflitos. O ser humano sempre lutou pela conquista de uma condição melhor e mais digna para sua vida. Lutou, ganhou, perdeu, resistiu, superou os mais diversos obstáculos. Comemorou vitórias e amargou derrotas, mas não desistiu. Das conquistas surgiram os comportamentos padronizados, que ficaram conhecidos como normas, as quais, além de reconhecer os direitos conquistados, também determinavam deveres. Na busca da efetividade dos direitos conquistados surge a necessidade de normas válidas, autoaplicáveis, que limitem o abuso de poder pelo próprio Estado. Dentro desse contexto histórico-político surgem os chamados direitos fundamentais no constitucionalismo atual. A evolução histórica dos direitos fundamentais tem estreita ligação com o surgimento da moderna noção de Estado Constitucional. Nas palavras de Sarlet, resgatando ensinamento da doutrina alemã de Stern: REGIANE NISTLER, MARCO AUGUSTO GHISI MACHADO vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 184 [...] a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Neste contexto, há que dar razão aos que ponderam ser a história dos direitos fundamentais, de certa forma (e em parte, poderíamos acrescentar), também a história da limitação do poder3. São inúmeros os conceitos e definições que tentam caracterizar os direitos fundamentais, não havendo sequer uma concordância na expressão a ser adotada. Ora são chamados de direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem, como apontado por Alexandre de Moraes4. Contudo, para Moraes5, “o importante é realçar que os direitos humanos fundamentais se relacionam diretamente com a garantia de não ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana”, sendo reconhecidos pela grande maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais. Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade direta, ou seja, não dependem de regulamentação, nem de lei ordinária para serem observados, cumpridos e aplicados. E por se encontrarem num grau superior no ordenamento jurídico, não podem ser objeto de revisão constitucional que tenha como objetivo sua supressão6. No caso brasileiro, são as chamadas cláusulas pétreas7. O ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis. Os direitos fundamentais, pelo seu próprio papel de 3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. 4 MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23a ed., São Paulo: Atlas, 2013, pag. 95. 5 MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23a ed., São Paulo: Atlas, 2013, pag. 95. 6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pag. 178-179. 7 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2013, pag. 662. A OBJEÇÃO DA CONSCIÊNCIA NO EXERCÍCIO DA MEDICINA: OS CASOS DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ EM FACE DO DIREITO HUMANO À VIDA vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 185 resguardar e garantir o mínimo necessário para a dignidade humana, encontram-se em posição de primazia sobre todo o ordenamento jurídico, até mesmo dos demais enunciados normativos constitucionais.8 . Assim, de forma sintética, José Afonso da Silva aponta as principais características dos direitos fundamentais9: imprescritibilidade não se perde pelo decurso do prazo; inalienabilidade não há possibilidade de transferência, seja a título gratuito ou oneroso, ou seja, são indisponíveis, intransferíveis e inegociáveis; irrenunciabilidade não podem ser objeto de renúncia; inviolabilidade impossibilidade de desrespeito por determinação infraconstitucional ou por ato das autoridades públicas, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal; universalidade abrange todos os indivíduos independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; efetividade (o Poder Público deve atuar para garantir a efetivação dos direitos e garantias), interdependência (as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades. Assim, por exemplo, a liberdade de locomoção está intimamente ligada à garantia do habeas corpus, bem como a previsão de prisão somente por flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente) e complementaridade (os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas de forma conjunta). Nesse sentido, anota Sarlet10 que a própria noção de fundamentalidade deles já os coloca numa posição de supremacia sobre todo o ordenamento jurídico infraconstitucional, reconhecendo também um regime jurídico privilegiado dos direitos fundamentais dentro do próprio contexto de uma Constituição. Todavia, o autor ressalta que a Constituição admite a existência de direitos fundamentais não escritos e que podem ser deduzidos pelo intérprete ao analisar os direitos fundamentais expressos, bem como os princípios a","PeriodicalId":20948,"journal":{"name":"Random Structures and Algorithms","volume":"117 1","pages":""},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2020-06-22","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Random Structures and Algorithms","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.31517/rsa.v4i9.350","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract
The present study aimed to investigate the conscientious objection in the practice of medicine, limiting itself to a specific situation and establishing the following problem: what are the limits of the physician's conscientious objection in the refusal to perform or collaborate in pregnancy termination procedures? It is necessary to state that, under Brazilian law, abortion is only allowed in cases of rape, imminent risk of death to the mother and pregnancy of an anencephalic 1 Doutoranda em Direito pela Universidade Estácio de Sá – UNESA-RJ, Mestre em Direito, Democracia e Sustentabilidade pela Faculdade Meridional IMED, Passo Fundo RS. E-mail: regianenistler@outlook.com 2 Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajai. Juiz de Direito da Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. REGIANE NISTLER, MARCO AUGUSTO GHISI MACHADO vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 182 fetus. The doctor is assured the right to conscientious objection, even with restrictions on his practice, as it should not endanger the life of a third party. It is concluded that the medical professional is not required to provide services that contradict their conscience, except in cases of urgency or emergency or when refusal may harm the patient's health. The approach method used in this work was the deductive. Key-words: Conscientious objection. Medical profession. Right to life. Abortion. Introdução A conduta médica exige várias responsabilidades: científicas, técnicas, morais, éticas, sociais, civis, criminais e disciplinares, todas unificadas pelo conceito de responsabilidade médica, entendida como a obrigação de arcar com as consequências de um comportamento, um fato ou um ato médico, aceito e executado por um profissional médico livremente. Todo esse conjunto de ideias é presidido pela consciência individual, isto é, o conhecimento íntimo do bem a se alcançar e o mal a evitar, ou seja, o conhecimento exato e reflexivo dos assuntos e conteúdos relacionados à saúde. Por conseguinte, entende-se por objeção de consciência na medicina, a recusa em executar um procedimento médico, direta ou indiretamente cooperar na sua implementação mesmo que tal procedimento tenha sido aprovado pelas normas legais por motivos morais, éticos ou religiosos. Essa objeção pode ocorrer no caso de interrupção da gravidez, quando tal procedimento é legalmente autorizado. Em razão da complexidade das decisões médico-paciente e suas possíveis consequências contra a prática da objeção de consciência, surge a necessidade de um estudo jurídico minucioso sobre o assunto que intenciona o presente trabalho. Especificamente este estudo objetivou analisar o constitucionalismo e a objeção de consciência, estudando: os direitos fundamentais na perspectiva constitucional; o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida, elencados na CF/88, e o panorama histórico da objeção de consciência. Em relação à objeção de consciência médica, no procedimento de interrupção da gravidez que é o núcleo do ensaio em tela, verificou-se que o médico pode, conscienciosamente, opor-se a um pedido de aborto. Objeções A OBJEÇÃO DA CONSCIÊNCIA NO EXERCÍCIO DA MEDICINA: OS CASOS DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ EM FACE DO DIREITO HUMANO À VIDA vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 183 só podem ser motivadas por crenças particulares, como no caso das crenças religiosas. O médico não pode julgar que a narrativa do estupro não é verídica, uma vez que há uma “presunção de veracidade na palavra da mulher”. Ao alegar a objeção de consciência, o médico deve solicitar autorização para não cumprir a sua obrigação. A mulher deve ser atendida por outro médico. Orientações técnicas do Ministério da Saúde não reconhecem o direito à objeção de consciência, quando existe um risco de morte, quando não há nenhum outro médico ou quando a falta de atenção médica prejudica as mulheres, mas os casos recentes revelam a não-adesão ao critério normativo. O presente estudo se encerra com as considerações finais em que são sintetizadas as contribuições sobre a objeção de consciência no exercício da medicina nos casos de interrupção de gravidez. 1. O constitucionalismo e a objeção de consciência 1.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL Desde os primórdios da história, a vida em sociedade quase sempre foi caracterizada por constantes conflitos. O ser humano sempre lutou pela conquista de uma condição melhor e mais digna para sua vida. Lutou, ganhou, perdeu, resistiu, superou os mais diversos obstáculos. Comemorou vitórias e amargou derrotas, mas não desistiu. Das conquistas surgiram os comportamentos padronizados, que ficaram conhecidos como normas, as quais, além de reconhecer os direitos conquistados, também determinavam deveres. Na busca da efetividade dos direitos conquistados surge a necessidade de normas válidas, autoaplicáveis, que limitem o abuso de poder pelo próprio Estado. Dentro desse contexto histórico-político surgem os chamados direitos fundamentais no constitucionalismo atual. A evolução histórica dos direitos fundamentais tem estreita ligação com o surgimento da moderna noção de Estado Constitucional. Nas palavras de Sarlet, resgatando ensinamento da doutrina alemã de Stern: REGIANE NISTLER, MARCO AUGUSTO GHISI MACHADO vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 184 [...] a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Neste contexto, há que dar razão aos que ponderam ser a história dos direitos fundamentais, de certa forma (e em parte, poderíamos acrescentar), também a história da limitação do poder3. São inúmeros os conceitos e definições que tentam caracterizar os direitos fundamentais, não havendo sequer uma concordância na expressão a ser adotada. Ora são chamados de direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem, como apontado por Alexandre de Moraes4. Contudo, para Moraes5, “o importante é realçar que os direitos humanos fundamentais se relacionam diretamente com a garantia de não ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana”, sendo reconhecidos pela grande maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais. Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade direta, ou seja, não dependem de regulamentação, nem de lei ordinária para serem observados, cumpridos e aplicados. E por se encontrarem num grau superior no ordenamento jurídico, não podem ser objeto de revisão constitucional que tenha como objetivo sua supressão6. No caso brasileiro, são as chamadas cláusulas pétreas7. O ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis. Os direitos fundamentais, pelo seu próprio papel de 3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. 4 MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23a ed., São Paulo: Atlas, 2013, pag. 95. 5 MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23a ed., São Paulo: Atlas, 2013, pag. 95. 6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pag. 178-179. 7 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2013, pag. 662. A OBJEÇÃO DA CONSCIÊNCIA NO EXERCÍCIO DA MEDICINA: OS CASOS DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ EM FACE DO DIREITO HUMANO À VIDA vvvvvvvv Saberes da Amazônia | Porto Velho, vol. 04, no 09, Jul-Dez 2019, p. 181-208 185 resguardar e garantir o mínimo necessário para a dignidade humana, encontram-se em posição de primazia sobre todo o ordenamento jurídico, até mesmo dos demais enunciados normativos constitucionais.8 . Assim, de forma sintética, José Afonso da Silva aponta as principais características dos direitos fundamentais9: imprescritibilidade não se perde pelo decurso do prazo; inalienabilidade não há possibilidade de transferência, seja a título gratuito ou oneroso, ou seja, são indisponíveis, intransferíveis e inegociáveis; irrenunciabilidade não podem ser objeto de renúncia; inviolabilidade impossibilidade de desrespeito por determinação infraconstitucional ou por ato das autoridades públicas, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal; universalidade abrange todos os indivíduos independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; efetividade (o Poder Público deve atuar para garantir a efetivação dos direitos e garantias), interdependência (as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades. Assim, por exemplo, a liberdade de locomoção está intimamente ligada à garantia do habeas corpus, bem como a previsão de prisão somente por flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente) e complementaridade (os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas de forma conjunta). Nesse sentido, anota Sarlet10 que a própria noção de fundamentalidade deles já os coloca numa posição de supremacia sobre todo o ordenamento jurídico infraconstitucional, reconhecendo também um regime jurídico privilegiado dos direitos fundamentais dentro do próprio contexto de uma Constituição. Todavia, o autor ressalta que a Constituição admite a existência de direitos fundamentais não escritos e que podem ser deduzidos pelo intérprete ao analisar os direitos fundamentais expressos, bem como os princípios a