Carolina Cyrino, Pâmela Marconatto Marques, José Carlos dos Anjos
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Abstract
Assim que detalhes da Revolução Haitiana passaram a circular na França do final do século XVIII, mesmo as elites ditas progressistas, compostas em geral por abolicionistas brancos, começaram a voltar atrás em seu discurso antirracista e antiescravagista. Nem mesmo os abolicionistas teriam comemorado o levante e alguns, inclusive, tomaram-no como prova de que haviam compreendido mal a natureza dos negros e, consequentemente, passaram a reavaliá-los. A partir desse momento, passava a não ser de bom tom proclamar a nobreza da raça negra e a barbárie da escravidão nas rodas de intelectuais, e mesmo nos circuitos artísticos considerados vanguardistas em Paris. Refletindo esse cenário, entre 1853 e 1855, Arthur de Gobineau publicou Essai sur l’inégalité des races humaines, onde sustentava a derrocada das raças puras e, portanto, a iminência da degeneração, operada pela mistura racial. Estavam lançadas aí as bases do racismo científico, contestado pelo intelectual haitiano Anténor Firmin naquele mesmo período, na obra De l'Égalité des races humaines, lançada em Paris em 1885 e ainda hoje muito pouco conhecida. No Brasil, o racismo científico germinou em um contexto semelhante aquele que testemunhou sua emergência na França: o pós-abolição da escravatura, embora com direcionamentos distintos. Aqui, o contexto era o de um país recém proclamado independente, cuja viabilidade frente às elites coloniais deveria ser negociada tendo em vista uma maioria negra, então liberta. Não bastava, nesse contexto, lamentar a degeneração da raça, como Gobineau, era preciso reabilitá-la, salvá-la do ocaso que anunciava. Com esse afã, uma série de tecnologias de construção da divisão racial sobre outras bases passa a ser mobilizada pelas elites em território nacional, tramando medicina, literatura, artes, forças armadas, diplomacia, direito, antropologia e políticas públicas. Como no pós-revolução Haitiana, é a existência de uma maioria negra liberta em territórios até então colonizados que passa a assombram as elites brancas e gerar respostas singulares voltadas à conservação de privilégios. Tendo em mente as pistas levantadas, este dossiê Raça, Ciência e Nação: ideais de pureza, mistura e degeneração, reuniu trabalhos que escavam esses acontecimentos/processos que possam ser identificados como cúmplices dessas respostas, desde o pós-abolição. Que atores estiveram envolvidos e de que modos singulares produziram consequências? Que resistências ou dissidências podem ser rastreadas?
18世纪末,随着海地革命的细节在法国流传开来,即使是所谓的进步精英,通常由白人废奴主义者组成,也开始逆转他们的反种族主义和反奴隶制言论。即使是废奴主义者也不会庆祝起义,一些人甚至认为这是他们误解黑人本质的证据,因此开始重新评估他们。从那一刻起,在知识分子的圈子里,甚至在巴黎被认为是前卫的艺术圈子里,宣扬黑人的高贵和奴隶制的野蛮就不再是一种时尚了。在1853年至1855年间,亚瑟·德·戈比诺(Arthur de Gobineau)出版了《人类种族的不平等》(Essai sur l ' inegalite des races humaines)一书,反映了这一情景。在这本书中,他支持纯种族的崩溃,因此,种族混合带来的退化迫在眉睫。它奠定了科学种族主义的基础,海地知识分子antenor Firmin在1885年在巴黎出版的《人类种族平等》一书中对科学种族主义提出了质疑,至今仍鲜为人知。在巴西,科学种族主义的萌芽与它在法国出现的背景相似:废除奴隶制后,尽管方向不同。这里的背景是一个新宣布独立的国家,它在殖民精英面前的生存能力必须经过谈判,以获得黑人的多数,然后获得自由。在这种情况下,象戈比诺那样哀叹种族的退化是不够的,还必须恢复它,把它从宣布的日落中拯救出来。在这种渴望下,国家领土上的精英们开始动员一系列在其他基础上构建种族分裂的技术,包括医学、文学、艺术、武装部队、外交、法律、人类学和公共政策。就像海地革命后的情况一样,在以前被殖民的领土上,黑人占多数的存在开始困扰着白人精英,并产生了旨在保护特权的独特反应。考虑到提出的线索,这个档案种族、科学和国家:纯洁、混合和退化的理想,收集了挖掘这些事件/过程的作品,这些事件/过程可以被确定为这些反应的同谋,自废除后。哪些行动者参与其中,它们以何种独特的方式产生了后果?哪些抵抗或异议可以追踪到?