{"title":"EMBRIÕES DO PODER POPULAR? UM ESTUDO COMPARADO DAS EXPERIÊNCIAS AGRÁRIAS DE TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL E VENEZUELA","authors":"Vanessa Gonçalves Dias","doi":"10.22409/TN.V19I40.50876","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Esta pesquisa se insere no debate sobre o projeto destrutivo do capital e as alternativas de trabalho, educacao, cooperacao e auto-organizacao do campesinato latino-americano. A pesquisa se desenvolveu em dois paises: Brasil e Venezuela, em territorios rurais, onde foram acompanhadas duas experiencias agricolas nos Assentamentos Rurais da Reforma Agraria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Brasil e duas experiencias nas Comunas Socialistas (CS), ligadas ao Movimento Comunero na Republica Bolivariana na Venezuela. \nA pesquisa teve como objetivo principal analisar em que medida a luta politica travada pelos trabalhadores e trabalhadoras camponeses desenvolve consciencia de classe, auto-organizacao e experiencia na organizacao politica na perspectiva da emancipacao humana, autogestao e do poder popular. A partir deste objetivo, levantamos diversas indagacoes, tais como: de que forma tais experiencias tentam romper com a conhecida cisao entre concepcao e execucao do trabalho? Como a auto-organizacao dos trabalhadores e trabalhadoras se relaciona a um projeto alternativo ao capitalismo? As experiencias apontam para algo alem do conhecido desenvolvimentismo? \nQuestionamos tambem quais sao os aspectos e elementos que evidenciam que as experiencias de producao ecologicas dos assentamentos do MST e das comunas agrarias bolivarianas, inseridas na proposta do Socialismo do seculo XXI, tem sido aquilo que se contrapoe: oposicao aos modelos produtivos do agronegocio e do rentismo? Mas o que ha em comum entre Brasil e Venezuela? Porque a escolha da Venezuela, se essa nao se trata de um pais tipicamente agrario? Quais paralelos comparativos seriam possiveis entre Assentamentos e Comunas? \nO criterio que nos levou a escolha dessas experiencias foram algumas razoes: a primeira da-se pela expressao do que a experiencia do MST e os Conselhos Comunais Venezuelanos vem representando nos ultimos anos e a segunda porque ambas as experiencias populares partem de concepcoes chave desta investigacao, quais sejam: a soberania alimentar, cooperacao, a autodeterminacao dos povos e o poder popular. \nA metodologia da pesquisa consistiu na perspectiva teorica do Materialismo Historico Dialetico (TRIVINOS, 1987; KOSIK, 2011), no campo da pesquisa qualitativa em educacao (LUDKE, 1986), delimitando-se um estudo comparado (FRANCO, 1992; 2002; 2009). Os procedimentos metodologicos envolveram revisao de literatura, analise documental, levantamento de dados primarios e secundarios, fase exploratoria e trabalho de campo. O trabalho de campo foi realizado nos assentamentos: Capela e Filhos de Sepe, na Regiao Metropolitana de Porto Alegre/RS e nas Comunas Socialistas: El Maizal e Che Guevara localizados nos municipios de Simon Planas e Caracciolo Parra Olmiedo. \nO levantamento de dados variou entre os anos de 2016 a 2020, o primeiro constituiu-se na fase exploratoria e o segundo no trabalho de campo e a coleta de dados finais, para realizacao da coleta de dados, foram utilizadas primordialmente as entrevistas semiestruturadas. Tambem, de forma complementar, a observacao participante, que foi realizada com o intuito de observacao das diversas interacoes nos espacos pesquisados. E ainda tivemos como apoio o diario de campo, que teve o objetivo acompanhar as atividades, reunioes e assembleias. O diario de campo auxiliou nas anotacoes e memorias dos procedimentos e interacoes cotidianas dos assentamentos e das comunas. \nO trabalho esta estruturado em quatro capitulos. No primeiro capitulo, buscamos trazer o debate sobre o metodo de pesquisa e os acumulos epistemologicos, alem das imersoes nos campos de pesquisa, para os processos metodologicos do estudo comparado, o capitulo tambem busca resgatar as contribuicoes da atualidade (estado da questao) sobre as questoes agrarias e as experiencias cooperativadas a partir de buscas em periodicos, eventos, etc. \nNo segundo capitulo, tem por objetivo discutir o papel do estado, do cooperativismo e da construcao do poder popular e resgatar duas das principais experiencias do chamado controle operario: a primeira experiencia de poder da classe trabalhadora, a Comuna de Paris e a experiencia dos Sovietes na Russia. Alem do debate das experiencias de construcao do poder dos trabalhadores, abordamos brevemente o papel da educacao na construcao da consciencia socialista durante os processos revolucionarios. \nNo terceiro capitulo, recupera o desenvolvimento historico da questao agraria no Brasil e na Venezuela demonstrando as fases de dominacao imperialista do capital sobre a terra e o trabalho e as propostas de desenvolvimento que foram sendo gestadas nos paises investigados. O quarto capitulo, consiste nas analises dos espacos investigados no Rio Grande do Sul/RS: a) Assentamento Capela; b) Assentamento Filhos de Sepe; e na Republica Bolivariana da Venezuela: a) Comuna Socialista El Maizal; b) Comuna Socialista Che Guevara Mesa Julia. \nE, por fim, os resultados e consideracoes finais desta investigacao sustentam a hipotese formulada e demonstram que embora permeadas de contradicoes, as experiencias investigadas, indicam “janelas” que apontam alternativas viaveis para problematizar “as estrategias anticapitalistas e os instrumentos politicos que permitem construir o poder popular do seculo XXI”. Constroem, assim, na atualidade um importante farol de resistencia dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo e da cidade. \nAs experiencias de producao ecologicas de arroz do MST e as Comunas Agrarias Republica Bolivariana da Venezuela, inovam ao invocar na praxis do trabalho cooperativo, a agroecologia o poder popular e a auto-organizacao dos trabalhadores e trabalhadoras. Revelam o carater essencialmente contraditorio do capital, demonstram a possibilidade da construcao de resistencias ao modelo do agronegocio e ao rentismo petrolifero, bem como engendram processos educativos que sinalizam saltos qualitativos no âmbito da formacao humana e da autogestao, pelos processos de coletivizacao dos meios de producao, que envolvem multiplas tecnicas e o conhecimento relativo tanto ao planejamento quanto a execucao das atividades, contribuem para a construcao do poder popular nos territorios investigados. \nAssim, conclui-se que: a) embora as experiencias pesquisadas nao eliminem a alienacao do trabalho, a propriedade e a posse dos meios de producao, o trabalho em seu sentido ontologico, a educacao politecnica e a ciencia agroecologica trazem para os trabalhadores/as a possibilidade de articular os saberes que a organizacao capitalista do trabalho fragmentou; b) os processos educativos com novas culturas do trabalho, novas matrizes produtivas forjam na praxis da producao coletiva novas relacoes de organizacao, producao, educacao e insubordinacao; c) Sobre o protagonismo das mulheres e o poder popular, nos assentamentos do MST verificamos a ampla participacao permanente das mulheres, na lideranca das frentes produtivas de panificacao e comercializacao nas feiras agroecologicas, enquanto que, na Venezuela a participacao das mulheres nas experiencias de producao social e na direcao dos processos politicos e bastante impactante. Conforme dados de Obediente e Arena (2017, p. 171): “en la construccion del Poder Popular interviene mayoritariamente un genero: las mujeres; mas del 60% de los consejos comunales estan integrados e impulsados por mujeres”; d) de modo geral, pode-se evidenciar que o Movimento Comunero avanca com a Ofensiva Socialista na construcao do Estado Comunal na Republica Bolivariana da Venezuela. Enquanto o MST, em graus diversos, consegue se colocar como uma alternativa de “resistencia ativa” para o campesinato gaucho, a partir da experiencia do “conglomerado de producao ecologica” (MARTINS, 2019).","PeriodicalId":284284,"journal":{"name":"Revista Trabalho Necessário","volume":"59 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2021-11-12","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Revista Trabalho Necessário","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.22409/TN.V19I40.50876","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract
Esta pesquisa se insere no debate sobre o projeto destrutivo do capital e as alternativas de trabalho, educacao, cooperacao e auto-organizacao do campesinato latino-americano. A pesquisa se desenvolveu em dois paises: Brasil e Venezuela, em territorios rurais, onde foram acompanhadas duas experiencias agricolas nos Assentamentos Rurais da Reforma Agraria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Brasil e duas experiencias nas Comunas Socialistas (CS), ligadas ao Movimento Comunero na Republica Bolivariana na Venezuela.
A pesquisa teve como objetivo principal analisar em que medida a luta politica travada pelos trabalhadores e trabalhadoras camponeses desenvolve consciencia de classe, auto-organizacao e experiencia na organizacao politica na perspectiva da emancipacao humana, autogestao e do poder popular. A partir deste objetivo, levantamos diversas indagacoes, tais como: de que forma tais experiencias tentam romper com a conhecida cisao entre concepcao e execucao do trabalho? Como a auto-organizacao dos trabalhadores e trabalhadoras se relaciona a um projeto alternativo ao capitalismo? As experiencias apontam para algo alem do conhecido desenvolvimentismo?
Questionamos tambem quais sao os aspectos e elementos que evidenciam que as experiencias de producao ecologicas dos assentamentos do MST e das comunas agrarias bolivarianas, inseridas na proposta do Socialismo do seculo XXI, tem sido aquilo que se contrapoe: oposicao aos modelos produtivos do agronegocio e do rentismo? Mas o que ha em comum entre Brasil e Venezuela? Porque a escolha da Venezuela, se essa nao se trata de um pais tipicamente agrario? Quais paralelos comparativos seriam possiveis entre Assentamentos e Comunas?
O criterio que nos levou a escolha dessas experiencias foram algumas razoes: a primeira da-se pela expressao do que a experiencia do MST e os Conselhos Comunais Venezuelanos vem representando nos ultimos anos e a segunda porque ambas as experiencias populares partem de concepcoes chave desta investigacao, quais sejam: a soberania alimentar, cooperacao, a autodeterminacao dos povos e o poder popular.
A metodologia da pesquisa consistiu na perspectiva teorica do Materialismo Historico Dialetico (TRIVINOS, 1987; KOSIK, 2011), no campo da pesquisa qualitativa em educacao (LUDKE, 1986), delimitando-se um estudo comparado (FRANCO, 1992; 2002; 2009). Os procedimentos metodologicos envolveram revisao de literatura, analise documental, levantamento de dados primarios e secundarios, fase exploratoria e trabalho de campo. O trabalho de campo foi realizado nos assentamentos: Capela e Filhos de Sepe, na Regiao Metropolitana de Porto Alegre/RS e nas Comunas Socialistas: El Maizal e Che Guevara localizados nos municipios de Simon Planas e Caracciolo Parra Olmiedo.
O levantamento de dados variou entre os anos de 2016 a 2020, o primeiro constituiu-se na fase exploratoria e o segundo no trabalho de campo e a coleta de dados finais, para realizacao da coleta de dados, foram utilizadas primordialmente as entrevistas semiestruturadas. Tambem, de forma complementar, a observacao participante, que foi realizada com o intuito de observacao das diversas interacoes nos espacos pesquisados. E ainda tivemos como apoio o diario de campo, que teve o objetivo acompanhar as atividades, reunioes e assembleias. O diario de campo auxiliou nas anotacoes e memorias dos procedimentos e interacoes cotidianas dos assentamentos e das comunas.
O trabalho esta estruturado em quatro capitulos. No primeiro capitulo, buscamos trazer o debate sobre o metodo de pesquisa e os acumulos epistemologicos, alem das imersoes nos campos de pesquisa, para os processos metodologicos do estudo comparado, o capitulo tambem busca resgatar as contribuicoes da atualidade (estado da questao) sobre as questoes agrarias e as experiencias cooperativadas a partir de buscas em periodicos, eventos, etc.
No segundo capitulo, tem por objetivo discutir o papel do estado, do cooperativismo e da construcao do poder popular e resgatar duas das principais experiencias do chamado controle operario: a primeira experiencia de poder da classe trabalhadora, a Comuna de Paris e a experiencia dos Sovietes na Russia. Alem do debate das experiencias de construcao do poder dos trabalhadores, abordamos brevemente o papel da educacao na construcao da consciencia socialista durante os processos revolucionarios.
No terceiro capitulo, recupera o desenvolvimento historico da questao agraria no Brasil e na Venezuela demonstrando as fases de dominacao imperialista do capital sobre a terra e o trabalho e as propostas de desenvolvimento que foram sendo gestadas nos paises investigados. O quarto capitulo, consiste nas analises dos espacos investigados no Rio Grande do Sul/RS: a) Assentamento Capela; b) Assentamento Filhos de Sepe; e na Republica Bolivariana da Venezuela: a) Comuna Socialista El Maizal; b) Comuna Socialista Che Guevara Mesa Julia.
E, por fim, os resultados e consideracoes finais desta investigacao sustentam a hipotese formulada e demonstram que embora permeadas de contradicoes, as experiencias investigadas, indicam “janelas” que apontam alternativas viaveis para problematizar “as estrategias anticapitalistas e os instrumentos politicos que permitem construir o poder popular do seculo XXI”. Constroem, assim, na atualidade um importante farol de resistencia dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo e da cidade.
As experiencias de producao ecologicas de arroz do MST e as Comunas Agrarias Republica Bolivariana da Venezuela, inovam ao invocar na praxis do trabalho cooperativo, a agroecologia o poder popular e a auto-organizacao dos trabalhadores e trabalhadoras. Revelam o carater essencialmente contraditorio do capital, demonstram a possibilidade da construcao de resistencias ao modelo do agronegocio e ao rentismo petrolifero, bem como engendram processos educativos que sinalizam saltos qualitativos no âmbito da formacao humana e da autogestao, pelos processos de coletivizacao dos meios de producao, que envolvem multiplas tecnicas e o conhecimento relativo tanto ao planejamento quanto a execucao das atividades, contribuem para a construcao do poder popular nos territorios investigados.
Assim, conclui-se que: a) embora as experiencias pesquisadas nao eliminem a alienacao do trabalho, a propriedade e a posse dos meios de producao, o trabalho em seu sentido ontologico, a educacao politecnica e a ciencia agroecologica trazem para os trabalhadores/as a possibilidade de articular os saberes que a organizacao capitalista do trabalho fragmentou; b) os processos educativos com novas culturas do trabalho, novas matrizes produtivas forjam na praxis da producao coletiva novas relacoes de organizacao, producao, educacao e insubordinacao; c) Sobre o protagonismo das mulheres e o poder popular, nos assentamentos do MST verificamos a ampla participacao permanente das mulheres, na lideranca das frentes produtivas de panificacao e comercializacao nas feiras agroecologicas, enquanto que, na Venezuela a participacao das mulheres nas experiencias de producao social e na direcao dos processos politicos e bastante impactante. Conforme dados de Obediente e Arena (2017, p. 171): “en la construccion del Poder Popular interviene mayoritariamente un genero: las mujeres; mas del 60% de los consejos comunales estan integrados e impulsados por mujeres”; d) de modo geral, pode-se evidenciar que o Movimento Comunero avanca com a Ofensiva Socialista na construcao do Estado Comunal na Republica Bolivariana da Venezuela. Enquanto o MST, em graus diversos, consegue se colocar como uma alternativa de “resistencia ativa” para o campesinato gaucho, a partir da experiencia do “conglomerado de producao ecologica” (MARTINS, 2019).