{"title":"Processos de Marginalização Étnica e Cultural na África Pós-Colonial. O Caso dos Amakhuwa de Moçambique","authors":"Luca Bussotti, Laura António Nhaueleque","doi":"10.17231/comsoc.41(2022).3704","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Apesar de a questão étnica nunca ter constituído um elemento explícito na construção do Estado moçambicano, esta sempre caracterizou a vida pública do país, com tensões relevantes, mas geralmente negligenciadas. Durante a luta de libertação, dois grupos étnicos aliaram-se, os “intelectuais” ronga e os “guerrilheiros” maconde, de facto excluindo os outros povos de Moçambique deste processo que irá marcar indelevelmente a história do país pós-colonial. Na época socialista, o lema “matar a tribo para fazer a nação” continuou a procrastinar o “esquecimento étnico”, prefigurando uma tentativa, malsucedida, de impor o modelo socialista autoritário formulado pelos ronga e machangana a todo o resto do país. A mesma situação se deu com a viragem democrática da década de 1990. Neste caso, diante de um pluralismo formal, os elementos de poder, assim como culturais e artísticos privilegiados foram, mais uma vez, os produzidos no sul (timbila e marrabenta) e no norte, pelos maconde (mapiko e esculturas), em detrimento de outros povos, entre os quais os amakhuwa, o grupo numericamente maioritário em Moçambique. Para este processo de marginalização étnica contribuíram doadores e investigadores internacionais, que aceitaram e desenvolveram a pauta proposta pela Frente de Libertação de Moçambique, interpretando práticas tradicionais como os ritos de iniciação sob o ponto de vista da violação dos direitos humanos. A pesquisa aqui apresentada traz evidências de como este longo processo de esquecimento étnico foi, em boa verdade, um programa político pensado e implementado desde a luta de libertação e que continuou, com as necessárias adaptações, até hoje, influindo diretamente na difusão da produção cultural e artística local. A abordagem usada foi de tipo histórico, com contínuos cruzamentos com a análise política e as políticas culturais de Moçambique.","PeriodicalId":402719,"journal":{"name":"Comunicação e Sociedade","volume":"32 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2022-06-22","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"4","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Comunicação e Sociedade","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.17231/comsoc.41(2022).3704","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract
Apesar de a questão étnica nunca ter constituído um elemento explícito na construção do Estado moçambicano, esta sempre caracterizou a vida pública do país, com tensões relevantes, mas geralmente negligenciadas. Durante a luta de libertação, dois grupos étnicos aliaram-se, os “intelectuais” ronga e os “guerrilheiros” maconde, de facto excluindo os outros povos de Moçambique deste processo que irá marcar indelevelmente a história do país pós-colonial. Na época socialista, o lema “matar a tribo para fazer a nação” continuou a procrastinar o “esquecimento étnico”, prefigurando uma tentativa, malsucedida, de impor o modelo socialista autoritário formulado pelos ronga e machangana a todo o resto do país. A mesma situação se deu com a viragem democrática da década de 1990. Neste caso, diante de um pluralismo formal, os elementos de poder, assim como culturais e artísticos privilegiados foram, mais uma vez, os produzidos no sul (timbila e marrabenta) e no norte, pelos maconde (mapiko e esculturas), em detrimento de outros povos, entre os quais os amakhuwa, o grupo numericamente maioritário em Moçambique. Para este processo de marginalização étnica contribuíram doadores e investigadores internacionais, que aceitaram e desenvolveram a pauta proposta pela Frente de Libertação de Moçambique, interpretando práticas tradicionais como os ritos de iniciação sob o ponto de vista da violação dos direitos humanos. A pesquisa aqui apresentada traz evidências de como este longo processo de esquecimento étnico foi, em boa verdade, um programa político pensado e implementado desde a luta de libertação e que continuou, com as necessárias adaptações, até hoje, influindo diretamente na difusão da produção cultural e artística local. A abordagem usada foi de tipo histórico, com contínuos cruzamentos com a análise política e as políticas culturais de Moçambique.